Portugal e o Futuro
A última vez que se discutiu com grande intensidade Portugal e o seu futuro precipitou-se a queda do regime vigente. Pede-se calma ao leitor, pois o seguinte texto não irá provocar a demissão do primeiro-ministro e a instauração de um novo regime. Para os mais incautos, o título faz alusão a um livro publicado pelo general António de Spínola em Fevereiro de 1974, pouco antes da Revolução dos Cravos. Esse livro, uma base para o futuro de Portugal, com foco na guerra colonial, defendia que a solução para o país teria de ser política e não bélica. Entre várias propostas, a solução passaria pela formação de um Estado transcontinental e bicameral, invocando uma suposta autodeterminação dos povos africanos, e a passagem de um estado colonial para um federalismo democrático. A História fala por si e essa visão de um futuro colonial disfarçado foi derrotada a 11 de março de 1975. Com a publicação deste livro, Marcello Caetano apresenta a sua demissão ao Presidente da República que, obviamente, a rejeita, mas que precipita todos os acontecimentos dos meses seguintes.
Já a discussão sobre o nosso futuro prende-se não com um livro mas sim com a crise que o país atravessa, a abordagem decidida para a resolver e com o documento que ilustra essa abordagem, o Plano de Resolução e Resiliência (PRR). É certo que as respostas às crises são moldadas pelo momento e pelo sistema vigente em que se enquadram e é natural que diferentes circunstâncias e momentos levem a respostas distintas.
Quanto mais agitados são os tempos, pior funciona uma resposta laissez-faire.
Não sou eu que o digo, mas sim Keynes, o brilhante economista britânico do século XX, que inspira a resposta dada pelas instâncias europeias a esta crise. De um modo simplista, caracterizada por medidas contra-cíclicas, o método keynesiana, procura solucionar a crise pelo lado da procura e não pelo lado da oferta. A abordagem keynesiano implementa políticas expansionistas (políticas de crescimento) para o sistema vigente investir e influenciar positivamente a procura/consumo que, naturalmente, numa crise, diminui. O investimento aumenta o consumo e este, por sua vez, gera um fluxo positivo na economia, aumentando a procura agregada, levando a uma maior produção, um aumento do emprego e do nível de rendimento, isto tudo sem contar com o efeito multiplicador. Num momento de crise as expectativas dos empresários (que, em última análise, definem o seu investimento) são extremamente baixas e, então, este investimento deve ser acomodado pelos governos.
A resposta keynesiana europeia deu à luz, entre outros mecanismos, a tão aclamada “bazuca”. Dada a natureza desta crise esta resposta não serve para aumentar o consumo mas antes para o manter. Somando essa "bazuca” (que origina o PRR), fundos do ainda Portugal 2020, Quadro Financeiro Plurianual 21-27 e outros mecanismos, chegarão a Portugal cerca de 61 mil milhões de euros, distribuídos ao longo de aproximadamente 9 anos. Com todos estes fundos disponíveis uma questão surge: onde alocar o dinheiro que chegará nos próximos tempos? Mais uma vez, podemos recorrer a Keynes: “Se não se souber em que gastar o dinheiro que se abram buracos! E quando não houver mais buracos para abrir, tornem a tapá-los!”
“Se o Tesouro se pusesse a encher garrafas usadas com notas de banco, as enterrasse (...) e deixasse à iniciativa privada a tarefa de desencantar novamente as notas (sendo que o direito de o fazer ficaria sujeito à obtenção de concessões sobre o terreno onde estão enterradas), o desemprego poderia desaparecer (...) e o rendimento real da comunidade fosse mais alto. Claro está que seria mais ajuizado construir casas ou algo semelhante; mas se a isto opõe dificuldades políticas e práticas, o recurso citado não deixa de ser preferível a nada.” in Keynes, J. M., Teoria Geral do Juro, Emprego e Moeda, 1936.
Não fosse algum país europeu cumprir à risca as palavras de Keynes, desatar a abrir buracos e tapá-los de seguida, as instâncias europeias decidiram criar directrizes e orientações para a alocação do dinheiro. O tal PRR (cerca de 14 mil milhões a fundo perdido e 2 mil milhões em empréstimos) está distribuído de forma sensivelmente equitativa por 3 partes: transição digital, transição ambiental e energética, e resiliência. Os restantes fundos, ainda não estando totalmente definidos, serão gastos da sua forma habitual, na ajuda directa ou indirecta a empresas, apoios sociais, investimentos em fundações, obras públicas, etc. Não considero que o montante de apoio dado às empresas seja baixo, ao contrário do que se veicula. Os apoios directos, empréstimos ou não, serão limitados é certo, mas uma parte considerável do investimento do estado será dado indirectamente a empresas: Quando o estado central compra computadores para uma escola ou quando renova uma ponte ou um caminho férreo também recorre a empresas privadas, seja por concurso ou não.
Pensando verdadeiramente no futuro, pouco se lê e ouve sobre reformas estruturais que há muito são necessárias. Não existe planeamento sobre a mobilidade a longo prazo: estamos a debater um novo aeroporto na zona de Lisboa e Vale do Tejo há 50 anos e novas linhas no metro do Porto há 20 anos. A ferrovia, essencial para as relações comerciais com o nosso maior mercado, o ibérico, e para ligar os pontos mais rurais do nosso país, terá um investimento considerável mas continua manifestamente insuficiente para as necessidades futuras do país, numa perspectiva sustentável e economicamente viável. Tampouco se antecipam reformas a fundo no estado, seja na sua própria organização, na sua gestão ou na sustentabilidade da segurança social (e até mesmo de todo o nosso sistema social). A regionalização ficou na gaveta, muito também pela pressão e influência do Presidente da República, permitindo que as desigualdades territoriais do país continuem inalteradas. O tecido industrial, nomeadamente o que respeita a micro e pequenas e médias empresas, continuará frágil e bastante vulnerável a crises, até haver uma verdadeira aposta na resiliência, na inovação, na tecnologia e na modernização, criando bases para uma internacionalização num mercado cada vez mais global. Neste preciso momento, aquando da entrega do primeiro cheque de 2,2 mil milhões de euros, 42% do PRR já está comprometido com uma alocação. Esperemos que, dentro de 6 meses, na primeira avaliação, não tenhamos que voltar atrás em muitos pontos já definidos.
Ao contrário do autor do verdadeiro “Portugal e o Futuro” não apresento nenhuma solução para um problema complexo, apenas um elencar de comentários breves sobre o estado do “Portugal e o Presente”, e de como planeamos construir o nosso futuro.
Enquanto não construirmos as bases para uma sociedade moderna, justa e capaz de evoluir, não iremos sair da cepa torta. E se havia momento oportuno para o fazer era no presente.
O autor não segue o novo acordo ortográfico.