A resistência à exaustão


Vivemos hoje uma guerra económica. Dada a invasão russa da Ucrânia, o Ocidente ripostou da única forma que podia, com pesadíssimas sanções económicas contra a Rússia e contra todas as entidades ligadas ao regime de Vladimir Putin. Se a população ucraniana paga hoje o terrível custo humano da guerra e o povo russo pagará mais do que todos o preço destas sanções, nós também não sairemos totalmente impunes, seja pelo efeito direto sobre as economias ocidentais das sanções aplicadas, seja pelas respostas que o Kremlin já encontrou e ainda encontrará. Não se adivinham tempos fáceis para toda a Europa, especialmente no contexto pós-pandémico economicamente frágil em que já nos encontrávamos.

Como qualquer guerra económica, esta é uma guerra de exaustão ou de atrito – uma guerra que será decidida quando virmos “quem quebra primeiro”. Mesmo sabendo que a economia russa se encontra numa vertiginosa trajetória descendente rumo à completa devastação, importa lembrar que o regime russo é uma autocracia: não precisa de manter a população contente ou sequer devidamente alimentada para ser reeleito e pode dirigir muito do descontentamento popular contra os seus inimigos externos através de órgãos de comunicação social cuidadosamente controlados. Aqui, pela terra das democracias, os efeitos da guerra económica não serão tão devastadores, mas, em teoria, não é necessário que sejam para que “quebremos”. Na verdade, esta pode ser uma guerra económica mais renhida do que pensamos.

Já estamos a sentir os efeitos das ações tomadas. O mais notório foi certamente o aumento do preço dos combustíveis, motivado por um mercado de petróleo que temia o fim da exportação de petróleo pela Rússia (entretanto, o preço do petróleo já voltou a baixar). É importante recordar que este aumento de preços não afeta apenas todos aqueles que conduzem habitualmente, mas também todas as frotas de transporte de mercadorias e, portanto, o preço de quase todos os produtos à nossa disposição. Também receámos uma subida dos preços da produção de energia – por exemplo, aquando da suspensão do gasoduto Nord Stream 2. Outra área de preocupação prendeu-se com os cereais: a Rússia e a Ucrânia são dois dos maiores exportadores mundiais destes produtos. Combinando todos estes efeitos na nossa economia, é possível que vejamos, a muito curto prazo, uma subida acentuada dos preços dos mais diversos bens comuns.

Começamos a compreender que precisamos de proceder a mudanças estruturais para prevenir situações similares no futuro. Vemos hoje que a insistência alemã na dependência do gás natural russo pode ter sido um dos maiores erros estratégicos do século XXI. Um erro que é particularmente suspeito dada a atual ligação do ex-chanceler Gerhard Schröder à Gazprom e agravado pela pressão francesa contra o gasoduto dos Pirenéus ou pela falta de um Mercado Único Energético na Europa. Se é tarde para melhorar a situação atual, ainda vamos a tempo de corrigirmos a nossa trajetória em todos estes pontos, para evitar estarmos a lamentar os mesmos erros dentro de alguns anos. Abordar um possível gasoduto nos Pirenéus e a entrada de gás natural na Europa através da Península Ibérica pode trazer a solução de que precisamos a curto prazo para muita da produção energética europeia, enquanto focamos mais fundos na redução da dependência geral de gás natural, pela transição mais acelerada para energias verdes. A Alemanha já percebeu esta necessidade e antecipou o seu plano de transição energética.

Em relação ao petróleo, um aumento tão repentino do preço dos combustíveis pode ter sido o choque de que necessitávamos para acelerarmos – finalmente – a redução da nossa necessidade de produtos petrolíferos a nível da mobilidade. A nível nacional e internacional, precisamos de uma rede de transportes públicos maior, tornada viável por uma visão urbanística mais moderna das nossas cidades. É imperativo que invertamos a decadência da nossa rede ferroviária, de forma a que o comboio se torne o principal modo de transporte para a viagem a longa distância. Por último, é importante a criação de maiores incentivos à eletrificação das formas de transporte que têm de continuar a existir – carros que continuarão a ser necessários (especialmente fora das cidades), aviões, navios, camiões e outros veículos de carga ou maquinaria.

Será necessário pagar toda esta transição. Daí que seja fundamental retirar o caráter temporário de instrumentos usados para financiar a recuperação pós-pandemia, como o NextGenerationEU, e insistir na emissão de dívida comum europeia. A economia europeia, devidamente integrada e coordenada, é suficientemente forte para lidar facilmente com o impacto destes investimentos e será muito beneficiada pelos frutos que vamos colher quando trouxermos o continente para o século XXI. Além disso, este aprofundamento das interligações dentro do mercado europeu, tornar-nos-á mais resistentes na eventualidade de novos contextos como o que vivemos atualmente.

Enquanto a invasão russa continuar, é de prever que nos mantenhamos em alguma forma de guerra económica e o nosso foco atual tem obrigatoriamente de passar por combatermos a exaustão e aguentarmos mais do que os sancionados. Contudo, tem também de passar por retirarmos desta situação as devidas ilações acerca de como devemos prosseguir no futuro próximo, numa Europa unida, para que sejamos mais resilientes.

A Euro Skulptur, uma escultura do símbolo da moeda única europeia

Fontes: The First Class Travel Guide from United States of America, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons


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