Hoje é 11 de Março


O dia 11 de Março é o septuagésimo do calendário gregoriano. Se preferirem, faltam 275 dias para terminar o ano. Poderia dar dados importantíssimos sobre este dia, como o nascimento de alguma celebridade ou o óbito de personalidades culturais, mas o facto curioso do 11 de Março que pretendo destacar são os 259 dias que faltam para o 25 de Novembro. O leitor deve estar intrigado: qual a relação entre as duas datas? Tanto a 11 de Março como a 25 de Novembro ocorreram tentativas de golpes extremistas no Período Revolucionário em Curso (PREC), em 1975. Os dois golpes tiveram origens completamente distintas mas, felizmente, nenhum teve sucesso. Todavia, um novo grupo , que se diz defensor da liberdade, em Portugal, celebra apenas o 25 de Novembro. Refiro-me, como é claro, aos liberais.

Como disse, são 259 os dias que separam estas duas datas e talvez seja o mesmo número de dias que os liberais reservam para o festejo do 25 de Novembro (talvez até se esqueçam de que existe um 25 de Abril pelo meio). 259 dias de preparação que resultam em cartazes e outdoors como “Viva a liberdade!” ou, se quiserem ser mais audazes, “A 25 de Novembro derrotamos os comunistas!”. Onde estão estes liberais para celebrar o dia no qual, em 1975, deitamos por terra o golpe militar de Spínola?

Já que os liberais se olvidam de que tal golpe existiu, passarei a expor o mesmo de forma sucinta, para que esta data não caia no esquecimento propositado: o golpe de 11 de Março de 1975, também chamado de Intentona de 11 de Março, foi uma reacção do General António de Spínola (cujo magnum opus descrevi no meu primeiro artigo deste blogue), e do seu grupo de extrema-direita, à viragem à esquerda do país. Este grupo, com António de Spínola à cabeça, estaria descontente, em particular, com o III Governo Provisório, encabeçado por Vasco Gonçalves, e pretendia travar o processo de “socialização” da sociedade portuguesa. O golpe falha, de forma absolutamente ridícula e não consegue um mínimo de apoio popular. No próprio dia, durante a tarde, Spínola foge para Espanha. Derrotado, posteriormente, segue de Espanha para o Brasil (sobre este assunto recomendo a leitura de Spínola e a Revolução: Do 25 de Abril ao 11 de Março de 1975 de Francisco Bairrão Ruivo).

Duas grandes consequências resultaram da Intentona de 11 de Março. Após este golpe falhado, ocorreu uma viragem mais acentuada à esquerda, que veio a atingir o seu auge no 25 de Novembro. A segunda consequência a destacar foi a formação de um grupo bombista de extrema-direita – O MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) – em torno de António de Spínola. Entre os elementos deste partido, que morreu pouco tempo depois, poderíamos elencar Pacheco de Amorim (actual proto-candidato a Vice-Presidente da Assembleia da República pelo CHEGA) ou mesmo José Miguel Júdice, actual comentador em vários órgãos de comunicação.

António de Spínola

António de Spínola

Fonte: Keystone Press, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

Feita esta pequena explicação, urge perceber porque é que estes novos liberais não celebram esta data, tal como o fazem no 25 de Novembro. Ambas são igualmente simbólicas por poderem representar marcos na construção da nossa democracia liberal. Então porquê esta dualidade de critérios? Talvez a razão para celebrarem o 25 de Novembro (até com mais intensidade do que o 25 de Abril – data em que existe verdadeiro sentimento agregador da liberdade e a única das referidas em que se derrubou uma ditadura de 48 anos) não seja uma defesa pueril e inocente da liberdade, mas sim a derrota de um "golpe" de esquerda. Como a 11 de Março derrotamos um golpe radical de direita, não se justificam tais festejos, mesmo que a nossa liberdade estivesse em causa. Este contorcionismo só reforça a ideia de que os nossos novos liberais não defendem a liberdade tanto quanto querem mostrar, mas antes a derrota da esquerda.

Urge fazer um aparte importante: nem todos os liberais subscrevem esta forma de pensar ou nem todos têm noção do que ocorreu a 11 de Março. Muitos apenas conhecem a efeméride de 25 de Novembro, por ser essa a data que fixaram no subconsciente após muita propaganda. No entanto, com tanta informação fidedigna hoje disponível, isso não é razão para justificar o silêncio que existe neste dia.

Poder-se-ia argumentar que o 11 de Março não tem o mesmo simbolismo que o 25 de Novembro, mas tal não faz sentido. Conforme descrito acima, a 11 de Março travamos um golpe militar, com pouquíssimo apoio popular, que tentava construir uma espécie de federalismo nacional entre Portugal e as Colónias, sob a mão pesada de um autocrata paternalista como Spínola. A 25 de Novembro travamos uma sublevação de grupos extremistas de esquerda, descontentes com a cada vez maior aproximação portuguesa à Europa e que gostariam de ver Portugal aproximar-se do Pacto de Varsóvia ou da China Maoísta. Uma das datas, a Iniciativa Liberal (IL), que agrupa estes novos-liberais, ignora e na outra lança foguetes e ainda vai apanhar as canas.

Uma breve pesquisa na Internet permite mostrar vários exemplos de festejos e celebrações da Iniciativa Liberal quanto ao 25 de Novembro, como por exemplo, a chamada organização da “Festa da Liberdade”. João Cotrim de Figueiredo, aquando do evento disse: "O 25 de Abril derrubou uma ditadura, o 25 de Novembro impediu que fosse imposta sobre os portugueses outra ditadura. São duas datas que todos devemos celebrar.”. Sobre o 11 de Março nem uma palavra. Podemos ver notícias mais antigas, como a que refere que a 25 de Novembro nos livramos de uma ditadura de esquerda. Sejam novas ou velhas, as notícias são claras: não existe uma única referência a outras datas simbólicas do PREC, seja o 11 de Março ou qualquer outra, como o 28 de Setembro.

Também por isso, mas não só, não faz sentido absolutamente nenhum a proposta de se sentarem entre o PS e o PSD, afirmando que são de centro e que os restantes liberais europeus se sentam no centro do hemiciclo. A IL afirma ser contra ambos os extremos mas ignora o facto do seu programa económico ser, sem sombra para dúvidas, o mais à direita de todo o parlamento. Grande parte do seu combate político prende-se com a luta contra a “socialização” do país ou contra as amarras ideológicas do Estado. Se assim o é, porquê esta obsessão em tentarem-se pintar de algo que não são?

A IL mostra, mais uma vez, a sua verdadeira natureza. Com uma dualidade de critérios tão óbvia, é preciso todo um espectáculo de contorcionismo para alegadamente defender a liberdade e não rejeitar golpes extremistas de direita. O pior cego é o que não quer ver. Neste momento, já só apoia a IL quem está completamente cego.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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