Este velho mundo continua a girar
O rescaldo das eleições alemãs mostram uma ligeira vantagem do SPD (Sociais-Democratas, Centro-esquerda), de Olaf Scholz, sobre a CDU/CSU (Conservadores Cristãos, Centro-Direita), de Armin Laschet, partido da ainda chanceler Angela Merkel. No entanto, ainda não se pode dar tudo por terminado.
Estes dois partidos, outrora hegemónicos, conseguiram apenas 50% dos votos, o que mostra uma clara fragmentação eleitoral e o crescimento de pequenos partidos para partidos de dimensão considerável. Em particular, os Verdes (Ecologistas e Europeístas, Centro-Esquerda) praticamente duplicam a votação das eleições anteriores, atingem o seu melhor resultado de sempre (aproximadamente 15%) e, com grande probabilidade, reservam um bilhete o futuro governo alemão. O FDP (Direita Liberal), consegue retomar o seu processo de crescimento e atinge os 11,5%. A AfD (Extrema-Direita) estabiliza em torno dos 10%, provavelmente o seu patamar de expressão máxima. Já o Die Link (Esquerda Radical), em clara queda após um período de estagnação, correu sérios riscos de não entrar no Bundestag, e só o conseguiu pela margem mínima.
Num país habituado a governar em coligação, as negociações pós-eleitorais fazem parte do jogo político, e por isso, não está tudo fechado. Nas últimas eleições, SPD e CDU/CSU demoraram cerca de 5 meses a encontrar um acordo, continuando o chamado “Governo de grande coligação” (Este nome deve-se a esta coligação abarcar os 2 maiores partidos do país). A ligeira vantagem do SPD, em conjunto com os restantes resultados eleitorais, mostra que apenas existem três soluções relativamente estáveis:
- Um novo governo SPD-CDU/CSU - Grande Coligação;
- Um governo a 3 partidos SPD/Verdes/FDP - Governo Semáforo;
- Um governo a 3 partidos, mas com a CDU/CSU em vez do SPD - Governo Jamaica.
De seguida, irei mostrar porque é que cada uma delas é particularmente instável, à sua maneira mas que, no fim do dia, algo irá resultar.
1. Governo de Grande Coligação
De todas, esta é, provavelmente, a solução mais estável, pois a Alemanha é governada em grande coligação desde 2013. Tanto Olaf Scholz como Armin Laschet são pragmáticos e centristas, não tendo grandes anticorpos entre eles. No entanto, num país onde estes dois grandes partidos apenas conseguiram 50% dos votos, deixar de lado outras forças relevantes como os Verdes ou os Liberais pode não ser a solução ideal para os eleitores e para a sua percepção de estabilidade. Além disso, a CDU/CSU estaria, pela primeira vez, num governo sem ser o partido maioritário, o que não ajudaria muito aos egos dos quadros do partido. Ainda que seja uma solução aparentemente segura, pouca novidade trará à Alemanha, com pouca possibilidade de reformas de fundo, seja a nível europeu, seja a nível interno.
2. Governo “Semáforo”
Denominado de Semáforo, devido às cores dos 3 partidos (SPD - Vermelho, FDP - Amarelo e Verdes - Verde), esta coligação, embora sustentada pela vitória do SPD e pelo reforço na votação dos Verdes, e mesmo sendo a preferência de Olaf Scholz, precisa de “parar, escutar e olhar” antes de avançar. Para além de nunca ter existido um governo a 3 partidos, o programa entre Liberais e Verdes é, em muitos pontos, incompatível. O reforço dos programas sociais e reformas económicas, propostas essenciais dos Verdes, não se coadunam com o free-market dos liberais e a sua agenda pró-mercado e de diminuição do peso do estado na economia. Ainda que a agenda ecologista, nomeadamente a transição energética, possa ter a aprovação do FDP, com apoios, subsídios e isenções para empresas, a intervenção do estado será considerável neste novo paradigma energético e isto terá, certamente, um impacto no sucesso e estabilidade deste governo. Por isso mesmo, Christian Lindner, líder dos liberais já afirmou que deveria haver negociações entre Verdes e FDP antes de qualquer conversação com um dos outros partidos, por forma a averiguar que entendimentos são possíveis.

Os líderes partidários da coligação "Semáforo"
Fontes: Michael Lucan, CC BY-SA 3.0 DE; Michael Lucan, CC BY-SA 3.0 DE; Michael Brandtner, CC BY 4.0; via Wikimedia Commons
3. Governo “Jamaica”
Denominado Jamaica devido às cores dos 3 partidos que a compõem (CDU/CSU - Preto, FDP - Amarelo e Verdes - Verde) esta solução é, provavelmente, a menos estável de todas. A CDU/CSU tem nos liberais um parceiro de excelência, mas a votação expressiva nos Verdes desvia o foco de poder para estes, complicando as contas e os acordos negociais.
A Alemanha mostrou mais uma vez que quer afastar os extremos da sua política e do arco de governação, reforçando o poder dos Verdes, previsivelmente num próximo governo. Esta viragem de foco, para o futuro, protagonizada pelos Verdes, teria um impacto superior se fosse em coligação com o SPD. Aliás, esta coligação seria, no meu entender, a que melhor poderia guiar o leme alemão e europeu, tal como ocorreu em 1998 (e repetida em 2002), sobre o comando de Gerhard Schröder. Com temas como o desenvolvimento sustentável, a transição energética, o fim do nuclear e uma agenda progressista a nível social e europeu, esta coligação poderia ser o motor de uma nova União Europeia, mais ecológica, mais progressista e mais socialmente responsável. Infelizmente tal é improvável de ocorrer.
Independentemente das instabilidades de cada uma das possíveis soluções, o mais provável será entenderem-se e governarem durante 4 anos, como sempre fizeram desde 1949. Os alemães estão habituados a negociações e a conseguirem encontrar um acordo de governação.
Jorge Palma, em “Vem Chuva, Vem”, no brilhante álbum de 1981 “Acto Contínuo”, diz “Seja lá como for, este velho mundo continua a girar". Não será agora que vai parar de girar.