Fuga para o infinito


O eclodir da investigação dos Pandora Papers na comunicação social sobre fugas de informação fiscal para paraísos fiscais e empresas offshore, contendo nomes tão sonantes como Tony Blair, Pep Guardiola, Elton John, Morais Sarmento e Manuel Pinho , fez-me questionar quão mais vamos adiar a obrigatoriedade desses paraísos divulgarem a informação financeira das suas instituições, nomeadamente os titulares das contas, os montantes e os movimentos de capital?

Tais dados não devem ser alvo de escrutínio público, como é claro. A privacidade de cada um não deve ser posta em causa. No entanto, os dados devem ser analisados por entidades que regulam o comércio internacional e as instituições bancárias, ou seja, é premente que estes paraísos tenham as mesmas regras que qualquer banco ou instituição financeira europeia. Não se trata de coerção ou de ultra-regulação, mas sim de justiça financeira e de equidade entre instituições.

É importante salientar que o uso de empresas offshore não é ilegal para várias transacções e para aplicação de instrumentos financeiros. O problema surge quando estes movimentos não são tributados, não pagando o imposto devido ou quando os offshore são utilizados para criminalidade organizada, tráfico de armas ou ainda lavagem de dinheiro. Por isso, é necessário o conhecimento das transações que ocorrem e dos seus montantes.

Se quisermos mudanças substanciais devemos exigi-las na regulação mundial destes paraísos fiscais e offshore. Como vimos acima, várias pessoas, de todos os quadrantes políticos, instituições, países e continentes estão envolvidas em esquemas similares, por isso as mudanças nunca vão partir da classe que está confortável com o status quo.

Cabe a nós, sociedade civil, exigir a mudança do paradigma actual.

A União Europeia actualiza regularmente uma lista de jurisdições não-cooperativas a nível de transparência financeira. Talvez deva começar com objectivos mais razoáveis, como acabar com os paraísos fiscais dentro da própria União, e depois partir para uma regulamentação global. A zona franca da Madeira, Irlanda, Gibraltar, Luxemburgo, Holanda e Malta são zonas/países dentro da União Europeia, considerados paraísos fiscais, com regulamentações especiais para empresas, nomeadamente baixíssimas taxas de imposto sobre lucros. Como referi num artigo passado, devemos criar um imposto mínimo sobre os lucros, dentro do espaço da União e, caso seja possível, torná-lo global. Claro que ambos os combates não são mutuamente exclusivos, isto é, podemos regular os paraísos fiscais e as offshores internas e externas à União simultaneamente. Simplesmente torna-se mais fácil, numa primeira fase, terminar com as internas do que com as externas, que necessitam de uma cooperação global e do parecer de mais entidades.

Além disso, não devemos premiar quem acumula montantes pornográficos para a realidade mundial e utiliza paraísos fiscais para a sua ocultação. Pelo contrário, devemos taxar fortemente as fortunas e quem acumula dinheiro sem o reinvestir de novo na sociedade, como defendi em mais detalhe num artigo passado. O primeiro passo para a instauração de um imposto similar é a divulgação dos dados dos paraísos fiscais.

Não podemos cair no discurso anti-estado e anti-regulamentação dos neoliberais, que quase parafraseiam o Príncipe do livro “O Leopardo”, de Di Lampedusa: “Nós fomos os Leopardos, os Leões; os que nos hão-de substituir serão os chacais, as hienas.”. Tais profecias catastróficas remontam a Nostradamus e o mundo ainda não acabou.

O autor não segue o novo acordo ortográfico.


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