A Europa recupera o fôlego


As últimas semanas trouxeram mudanças substanciais à política europeia. Partidos que estão no governo desceram, tendências dos últimos anos inverteram-se e há uma luz de esperança para aqueles que esperam cooperações construtivas para a progressão do projeto europeu.


A começar pela nação que tem, efetivamente, liderado a Europa nos últimos anos, a Alemanha procura definir-se para a era pós-Merkel. As eleições federais – que o Hélder Fontes tratou de analisar a fundo num texto da semana passada – deram o pior resultado de sempre à CDU/CSU de Laschet, partido da ainda chanceler Angela Merkel. Ainda que não se preveja uma tremenda alteração de rumo para os germânicos (Merkel é uma centrista dentro da CDU e Scholz um centrista dentro do SPD, partido vencedor), os resultados tornam muito provável que se mudem, pelo menos, as cores dentro do governo e fazem sentir um clima de renovação no país e no continente.

Na Áustria, o chanceler Sebastian Kurz foi alvo de alegações de que teria usado dinheiro público para influenciar a imprensa e demitiu-se. Kurz tinha sido apelidado de “Wunderkind” (miúdo-maravilha) quando se tornou o chanceler mais novo da História da Áustria, em 2017. Nessa altura, não teve pudor em alinhar-se com a extrema-direita para formar o seu primeiro governo e em adotar para o discurso do seu partido, ÖVP, as mesmas políticas anti-imigração desses seus parceiros, sendo descrito como o “anti-Merkel”. Em 2019, com o seu vice-chanceler e parceiros de extrema-direita envolvidos no escândalo do Caso de Ibiza, deixa cair o governo. Ainda assim, consegue voltar ao poder nas eleições de 2020, em coligação com os Verdes. No entanto, desta vez, o escândalo tem um impacto mais profundo, por o envolver pessoalmente. Falta perceber o que Kurz fará de seguida, mas o caso provavelmente representa a queda de um dos líderes mais conservadores da Europa Central nos últimos anos.

Na República Checa, o primeiro-ministro Andrej Babiš, um milionário populista, viu o seu nome envolvido nas revelações dos Pandora Papers. O dano à sua reputação poderá explicar o porquê do seu partido ter ficado atrás da coligação de centro-direita formada para o derrotar, a SPOLU, nas eleições da semana passada. Os partidos da SPOLU deverão agora formar governo com a coligação centrista entre o Partido Pirata e o STAN, que ficou em terceiro lugar. Ambas as coligações são europeístas, com o Partido Pirata a exprimir interesse em finalmente progredir a adesão do país à Zona Euro. A saída de Babiš (assim como a de Kurz) pode ainda pôr em causa a continuidade do Grupo de Visegrado e deixar a Polónia e a Hungria ainda mais isoladas enquanto os seus governos continuam a pôr em causa os valores democráticos das respectivas nações.

Também em relação à Hungria, Viktor Orbán está numa posição mais complicada: a oposição está a tentar organizar-se em torno de um candidato único, um esforço conjunto naquela que pode ser a última oportunidade de tirar Orbán do poder antes que ele o consiga segurar ainda mais. As últimas sondagens mostram os partidos da oposição, juntos, próximos do Fidesz do primeiro-ministro húngaro.

Sebastian Kurz, Andrej Babiš e Viktor Orbán

Da esquerda para a direita: o ex-chanceler austríaco, Sebastian Kurz; o primeiro-ministro checo, Andrej Babiš; o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán

Fontes: Michael Lucan, CC BY-SA 3.0 DE; Lucie Bartoš, CC BY-SA 4.0; Partido Popular Europeu, CC BY 2.0; via Wikimedia Commons

Finalmente, em Itália, o trabalho incansável do pragmático Mario Draghi trouxe uma lufada de ar fresco ao panorama político do país. Apesar da base de apoio aparentemente frágil, formada por partidos de todas as áreas do espectro ideológico, Draghi tomou as rédeas das medidas de controlo da pandemia, estabilizando a situação do país e obtendo elevadas taxas de vacinação, e começou a avançar com reformas essenciais, há muito necessárias: redução da burocracia e reformas dos sistemas fiscal e judicial – a última das quais foi requisito imposto por Bruxelas para a atribuição de muitos fundos comunitários.

Draghi tem-se movimentado depressa, avançando com muitas ações em pouco tempo, e não dando oportunidade a que partidos que sustentam o governo formulem oposição ou lutem entre si, tal o ritmo do trabalho a ser feito. Dessa forma, contornou o volátil e frágil sistema partidário italiano que tem, até agora, causado o adiamento das ações governativas mais importantes.

A competência e eficácia de Draghi concederam-lhe um nível de popularidade que tem sido raro entre os líderes italianos e já começa a afetar o panorama político do país: nas eleições locais (ainda a decorrer), começa a tornar-se aparente que o Partido Democrático, de centro-esquerda, será o maior vencedor. O populista Movimento 5 Estrelas pode vir a ser o maior derrotado e a extrema-direita, representada pela Liga de Matteo Salvini e pelos Irmãos de Itália, perde uma porção considerável de votações anteriores. Os italianos recuperaram a confiança na competência dos seus governantes e parecem, aos poucos, regressar às áreas do espectro político em que tradicionalmente votavam.


Na era pós-Merkel, a Europa terá, como a Alemanha, de encontrar uma nova personalidade que a lidere. Olaf Scholz, que será provavelmente o novo chanceler alemão, seria uma hipótese natural. Outra alternativa seria Emmanuel Macron: a França começa a sua presidência da União Europeia em janeiro de 2022. Mas Macron terá de se focar na política interna, sujeito a eleições presidenciais em abril, e a sua ambição por vezes excessiva criou-lhe anticorpos entre as lideranças europeias.

No entanto, o primeiro a impor-se nesse papel está a ser o improvável Mario Draghi. Está a cumprir exemplarmente o seu papel de aguentar o frágil sistema político-partidário italiano e a deixar a sua marca no país em muito pouco tempo. E a Itália está em boa posição para liderar: é historicamente um centro de poder na Europa e os italianos identificam-se com as preocupações dos países do Sul da Europa, que se sentem, há muito tempo, pouco representados.

Se o rosto da liderança ainda é incerto, qualquer uma destas hipóteses representa uma direção profundamente europeísta. E a descida de diversos movimentos eurocéticos dará a estas personalidades a oportunidade para promoverem as reformas de que o projeto europeu precisa e que podem conduzir a um continente mais unido. Na maratona que é a defesa dos valores europeus, a Europa tem aqui uma oportunidade de recuperar o fôlego. Esperemos que não seja desperdiçada.


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