Já falhamos. E agora?


Entre amanhã, dia 31 de outubro e o dia 12 de novembro, realizar-se-á em Glasgow a COP26: 26.ª conferência anual da ONU sobre o clima. Esta cimeira estava prevista para 2020, mas foi adiada devido à pandemia de COVID-19. Será um momento de avaliação do progresso feito desde a assinatura do Acordo de Paris, elaborado na COP21, em 2015.

Nesse acordo, os países que, desde então, o assinaram e ratificaram – praticamente todos os membros da ONU – comprometeram-se a tentar manter a subida global da temperatura abaixo dos 1,5 °C, comparativamente às temperaturas anteriores à Revolução Industrial. Ainda assim, é um valor que trará consequências graves para a nossa vida na Terra e foi, então, criticado por ser pouco ambicioso. Mas é o valor possível e, acima dele, essas consequências pioram exponencialmente.

Como progredimos desde 2015? A diferença para as temperaturas pré-industriais já atingiu os 1,2 °C, mesmo com o abrandar da atividade humana que se deveu à pandemia, e os últimos dados do IPCC apontam para que se falhe a meta dos 1,5 °C ainda esta década, num relatório que António Guterres apelidou de “código vermelho para a Humanidade”. A previsão atual é de que a subida de temperatura atinja, até ao fim do século, os 2,7 °C. Representaria a entrada num caminho sem retorno do fim da vida humana como a conhecemos.

Gráfico: as projeções para o aumento de temperatura global até ao ano 2100. As linhas do gráfico mostram que as medidas tomadas até hoje ficam aquém do necessário e nos levariam a um aumento entre os 2,7 °C e os 3,1 °C

Gráfico: Climate Action Tracker, Copyright © 2009-2021 Climate Analytics/NewClimate Institute

De forma a atingir a limitar a subida de temperaturas aos 1,5 °C, o Acordo de Paris previa que se iniciasse uma redução brutal das emissões de gases com efeito de estufa, a partir de 2020, e que, até 2050, essas emissões chegassem a zero. Os seus signatários comprometeram-se a elaborar legislação nacional que abordasse esta redução e, posteriormente, a apresentar esses planos na COP26.

Chegados a este momento – mesmo com um ano de atraso e ignorando que a progressão desde 2015 foi pior do que esperávamos – essa legislação nacional não é suficiente: se a China, maior emissor de gases com efeito de estufa, já se compromete com uma data para a neutralidade carbónica (ainda que essa data seja tardia, 2060, e que as atitudes recentes não sejam encorajadoras), outros grandes emissores, como a Rússia e o Brasil, apresentam legislação que fica muito aquém de qualquer meta do Acordo de Paris. Outros ainda, como a Índia, não avançaram com legislação nenhuma até hoje. Os presidentes destes 3 últimos países já confirmaram que não vão estar sequer presentes na COP26, numa demonstração de completo desinteresse na resolução da maior emergência que assola a Humanidade.

Em bom rigor, de acordo com o grupo independente Climate Action Tracker (CAT), de todos os signatários, só a Gâmbia aprovou legislação suficiente para atingir as metas do Acordo de Paris. Mesmo na União Europeia, que leva à COP26 o pacote Objetivo 55 – em que se compromete a reduzir as emissões de carbono em 55% até 2030 –, as ações efetivamente tomadas até à data são consideradas insuficientes pelo CAT.

Protestantes numa manifestação pelo clima. Em foco, num cartaz lê-se “We're missing our lessons so we can teach you one”

Uma de muitas greves estudantis pelo clima, impulsionadas pelo movimento Fridays for Future da ativista Greta Thunberg

Fonte: Charles Edward Miller, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Acabados de entrar no período fulcral de combate às alterações climáticas, já falhamos. Mesmo apontando a metas pouco ambiciosas, não estamos a fazer o suficiente para as atingir e há poucos indicadores de que isso vá mudar. Aliás alguns indicadores mostram que, cada vez mais, caminhamos no sentido errado, como é o caso dos relatos recentes de que partes da Amazónia produzem mais CO2 do que o que absorvem e de que os danos a esta, a maior floresta do mundo, estão prestes a atingir o “ponto de não retorno”.

Torna-se vital que a COP26 seja diferente das cimeiras que a precederam: mais do que um momento para discutir hipotéticos planos futuros, terá de ser um momento de ação concreta e urgente, à semelhança do que pediu a ativista Greta Thunberg, em artigo no The Guardian. A mudança de rumo tem de ser abrupta e tem de começar agora:

  1. Na COP26, os países que dizem liderar o ímpeto ambientalista precisam de colocar pressão sobre os restantes, exigindo que corrijam a sua postura e façam progressos nesta matéria;
  2. As maiores e mais robustas economias mundiais devem ser capazes de assumir compromissos mais ambiciosos do que até agora, de forma a darem espaço a que as economias mais frágeis criem planos suficientes de progressão sem se condenarem à ruína;
  3. Mais do que uma meta distante e difusa, de neutralidade carbónica em 2050, precisamos de definir metas intermédias, a curto prazo, que ditem de que forma e a que velocidade vamos atingir essa neutralidade carbónica;
  4. Devem estar previstas sanções concretas, razoáveis, mas pesadas aos países que não cumpram as metas estabelecidas, por porem em causa a própria sobrevivência da espécie;
  5. Ainda este ano, temos de pôr fim à aprovação de planos para a produção futura de energia com base em combustíveis fósseis.

Só com medidas bem definidas, ambiciosas, devidamente aplicadas e fiscalizadas, podemos salvar e garantir condições de vida às gerações futuras. O custo não será nulo, longe disso. Pagaremos agora os erros do passado. Por falta de tempo, por inação dos que nos antecederam, a transição para uma economia verde será brusca e vamos senti-la na pele. As consequências serão pesadas, mas não tão pesadas como a alternativa: o fim da Humanidade.


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