Poderemos salvar a democracia representativa?
As taxas de participação nas eleições portuguesas atingiram níveis historicamente baixos e é a própria democracia representativa que corre perigo. Nas últimas presidenciais, que confirmaram o 2º mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, participaram apenas 4.262.672 votantes de 10.864.327 inscritos, não atingindo 40% de votação. Existe, claramente, alguma influência devido à pandemia de COVID-19, no entanto, basta analisar os números de outras eleições recentes para perceber que existe uma notória tendência de decrescimento da participação eleitoral. Nas últimas legislativas, em 2019, por exemplo, exerceram o seu direito/dever de voto 5.251.064 votantes de 10.810.674 votantes, o número mais baixo de sempre em eleições legislativas (cerca de 49%). Se queremos que os nossos representantes sejam uma verdadeira expressão democrática da população, no âmbito de uma democracia liberal e representativa, devemos pensar em formas de ultrapassar o monstro que é a abstenção. Elenco algumas ideias e comentários que podem ser úteis para essa discussão:
1. Promover uma comunicação mais direccionada e eficiente
A comunicação é um dos pilares essenciais da política e é impensável que, hoje em dia, um partido ou candidato não recorra, por exemplo, aos meios digitais. A comunicação digital é muito distinta da presencial . Tem de ser, necessariamente, mais concisa e directa, compreendendo o (infelizmente reduzido) tempo de atenção que cada um de nós dá a cada publicação, principalmente se esta for de cariz político. Deve ter uma mensagem clara e simples, que transmita uma ideia ou uma forma de pensar. Isto não é o mesmo que promover a “memeficação”, com os cartazes que agora brotam de certos partidos políticos. Pelo contrário, estes corroem a participação política, pois discutem os temas apenas superficialmente, sem ir ao substrato ou sem pensar minimamente nas implicações das propostas. Urge ser conciso e simples e, mesmo assim, não se limitar ao slogan.
2. Reformar o sistema eleitoral
Estudar uma reforma do sistema eleitoral, nomeadamente, para a Assembleia da República (AR), criando, por exemplo, círculos uninominais e um círculo de compensação nacional. Outra alternativa seria explorar outro tipo de eleição, como a de votos por preferência. A própria democracia representativa deve adequar-se ao país onde está implementada e não pode nunca deixar de ser uma clara representação dos eleitores. Esta condição encontra-se em risco, devido ao manifesto desinteresse no sistema actual. Recentemente o antigo líder do CDS, Ribeiro e Castro, propôs um sistema eleitoral particularmente interessante, recorrendo a um método misto de círculos uninominais e um nacional. O importante para mim, neste momento, não é debater a proposta em si mas mostrar a sua importância e pertinência no panorama actual. Espero que o debate que irá surgir desta proposta seja amplo e que a sociedade civil também dê o seu contributo.
3. Combater a “profissionalização” da política, a sobrerrepresentação de certas profissões no parlamento português e a não exclusividade dos deputados
A não limitação de mandatos na AR, como existe nas autarquias, promove a perpetuação das mesmas caras (e ideias) e impede a sua renovação. Dá-nos também um sentimento legítimo de não-representação. A sobrerrepresentação de profissões como advogados e professores universitários é uma clara demonstração de como vários sectores da sociedade não estão representados na AR, sendo até, inclusivamente, excluídos do debate. A exclusividade dos deputados é importantíssima, pela dedicação a apenas uma função. Deve-se exercer as funções em regime de tempo total, ainda que durante um período de tempo limitado. Todavia, é premente uma remuneração adequada da classe política. Políticos mal pagos são uma das primeiras razões para corrupção e lobbying ilegal, para além de afastar outros indivíduos por razões monetárias. É preciso urgentemente mudar a mentalidade de “Sou político”, típica da sociedade pós-moderna portuguesa para “Sirvo o meu país”, estando ou não a exercer funções políticas.
Se queremos efectivamente salvar a nossa democracia eleitoral, devemos escutar o que a sociedade e os cidadãos nos transmitem e, com essa informação, estruturar uma nova forma de fazer política.
O autor não segue o novo acordo ortográfico.