A longo prazo, estaremos todos mortos


Em Maio, ao apresentar uma moção para o congresso do Partido Socialista (PS), António Costa sugeriu referendar a regionalização em 2024, dando início aos estudos e debates, previsivelmente, após o congresso do PS. Chegados ao último fim de semana de Agosto, António Costa reformulou a promessa e admitiu avaliar a possibilidade e o impacto de uma regionalização apenas no fim de 2024, ou seja, somente após as próximas legislativas. Apenas depois dessa avaliação seria promovido o debate público sobre a regionalização, nos termos da constituição, e no fim dessa discussão, é que haveria, eventualmente, um referendo. No espaço de 3 meses, António Costa conseguiu atrasar o início deste processo tão complexo em, pelo menos, 3 anos.

Não podemos deixar de ter em conta que, num país tão centralizado como Portugal (um dos mais centralizados da OCDE) (figura 1.1), este processo de regionalização não se faz de um dia para o outro. Desde o início do processo, passando pelos debates, pela marcação de um provável referendo, pela organização, pela logística e pela operacionalização, até à implementação de poderes regionais, devemos contar com, seguramente, mais de uma década. Surpreendentemente, em cima deste prazo, António Costa decide adicionar (pelo menos) mais 3 anos.

Figura 1.1. Índex de Autoridade regional em Portugal e noutros países da OCDE - O índex de autoridade regional (Regional Authority Index - RAI) é uma medida da autoridade dos governos e instituições regionais. Compreende várias dimensões como autonomia fiscal, representatividade, controlo executivo e fiscal, entre outros.

Índex de Autoridade regional em Portugal e noutros países da OCDE

Não é compreensível esta demora em iniciar os estudos e o debate alargado e não é lógico que se espere pelo início de uma nova legislatura e de um novo parlamento.

A actual Assembleia da República, assim como o Governo, têm a legitimidade democrática para iniciar este processo, promovendo os estudos necessários e iniciando o debate público.

É premente compreender que descentralização é diferente de regionalização e o primeiro não é necessariamente o início do segundo. O primeiro é um processo de deslocalização de serviços entidades públicas de um único local e o segundo é o reforço da autonomia de cada região. Em 2015, ainda antes de ser eleito primeiro-ministro, António Costa prometeu uma maior descentralização e defendia desbloquear o impasse constitucional da regionalização. 6 anos depois, estamos parados no intervalo, com a primeira parte cumprida e a segunda ainda por realizar. É possível que António Costa esteja a jogar a longo prazo. Se assim for, aconselho o Primeiro Ministro a reler Keynes, principalmente quando este afirma que, a longo prazo, estaremos todos mortos (in the long run we are all dead). O mais provável é que António Costa não queira mexer num dossier tão complicado, controverso e fracturante nesta altura, quando está a almejar um elevado cargo europeu em 2024, seja na Presidência do Conselho Europeu ou da Comissão Europeia. O facto do Presidente da República (PR) ser Marcelo Rebelo de Sousa também não ajuda a agilizar este processo. Relembro que o actual PR era o líder do PSD e o principal opositor da regionalização, aquando do primeiro referendo desta matéria, em 1998 (chumbado com mais de 60% dos votos).

Um relatório da OCDE de 2020, que demonstra a elevada centralização portuguesa, enumera vários caminhos alternativos possíveis para uma maior descentralização e para uma regionalização. O próprio relatório admite que as alternativas não são fechadas e que servem sobretudo para iniciar o debate. Porque continuamos à espera?

Graças a esta parceria Belém - S. Bento, vamos continuar a perpetuar desigualdades entre regiões do nosso país, nomeadamente entre o litoral e o interior. Continuaremos a não explorar devidamente as potencialidades de cada região, a não responder às suas diversas necessidades, nem às da sua população. Em suma, continuará a não existir coesão territorial e o crescimento não será potenciado. Portugal continuará a ser Lisboa e o resto paisagem.

O autor não segue o novo acordo ortográfico.


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