A Maioria Silenciosa


Quando se inicia Setembro de 1974, o então Presidente da República, António de Spínola, apercebe-se que está cada vez mais isolado. As sucessivas greves que paralisavam o país e a crise Palma Carlos deixou-o apenas com o apoio da extrema-direita e de franjas mais radicais do CDS. Com a chefia do 2.º governo provisório entregue a Vasco Gonçalves, um elemento claramente à sua esquerda, decide convocar uma manifestação para o dia 28 desse mês, apelando à Maioria Silenciosa. A designação é simples de entender: segundo Spínola, a maioria do país não concordava com o rumo socialista da revolução e opunha-se a vários dos seus princípios. Além disso, esta maioria não se manifestava e estava submetida ao MFA e a vários partidos.

A manifestação ocorre mas acaba por ser um verdadeiro fiasco e Spínola demite-se 2 dias depois. A Maioria Silenciosa era, na realidade, uma minoria muito escassa (in Spínola e a Revolução, de Francisco Bairrão Ruivo).

Um cartaz de apoio à Maioria Silenciosa. Em fundo verde, lê-se “Manifestação de apoio ao General Spínola: Não aos extremismos, sim à firmeza e fidelidade ao programa do M. F. A.”. Ao lado, uma figura de um homem cuja boca foi substituída pelas palavras “Maioria Silenciosa”.

Cartaz de apoio à Maioria Silenciosa

Fonte: 25AprilPTLab – Laboratório Interativo da Transição Democrática Portuguesa

Hoje, lidamos com uma outra amostra populacional bastante ruidosa. Na internet e, em particular, nas redes sociais, proliferam comentários tóxicos, opiniões infundadas, notícias falsas, incentivos ao ódio e, como cereja no topo do bolo, é utilizado um vernáculo impróprio. Uma aventura de 10 minutos numa qualquer rede faz perder toda a fé na humanidade. Aliás, tal experiência é semelhante à descrição da entrada no Inferno n’“A Divina Comédia” de Dante: ao passar a porta, lê-se “Vós que entrais, abandonai toda a esperança!”. Mas será que esta amostra é verdadeiramente representativa da nossa sociedade? Será que somos quase todos extremistas, radicais e tribais?

A resposta é não. Basta analisar os resultados das eleições dos últimos anos para verificarmos que tal amostra é claramente minoritária. Nas últimas eleições legislativas, os partidos extremistas com assento parlamentar só representavam 1,3% dos votos (apesar de qualificar o BE e o PCP como partidos de esquerda radical, para esta análise não os considero extrema-esquerda; tal enquadramento ideológico em Portugal pode ser utilizado em partidos ainda mais radicais como MAS e PCTP-MRPP). Mesmo nas últimas presidenciais o principal representante da extrema-direita “só” conseguiu angariar 11,9% dos votos. Tais valores são ainda menores se tivermos em conta que a abstenção ronda os 50%, logo terão de ser divididos por dois. No entanto, uma amostra de 15 minutos nas redes sociais faz-nos pensar que tais extremismos representam 80% ou até mesmo 90% da sociedade. A que se deve esta discrepância de valores?

Para responder à questão colocada volto ao conceito da maioria silenciosa. A maioria de nós é, relativamente, moderada e sensata e, por isso, não vocifera comentários absurdos. A maioria entende que as questões e a sua análise são extremamente complexas e não será em 2 linhas numa caixa de comentários que conseguirá resolver algo. Além disso, tem noção que poderá não conhecer todas as nuances da problemática e, por isso, não se indigna tanto como um extremista. A maioria é, portanto, uma maioria silenciosa. Ao contrário da de 1974, e felizmente para nós, esta efectivamente existe e respira. A discrepância explica-se devido à minoria ruidosa que existe. As minorias extremistas são bastante vocais ao veicular a sua (des)informação. É, aliás, a única forma que têm para proliferar as suas opiniões, visto que na generalidade dos debates, com contra-argumentos minimamente sólidos, toda a sua construção distópica cai, como um castelo de cartas.

Extremismos sempre existiram e também veicularam as suas opiniões: essa realidade não é nova. O que é novo é o canal utilizado. Hoje, o meio por onde comunicam permite atingir um público muitíssimo maior do que há 50 anos atrás e com uma velocidade estonteante. Além disso, as redes sociais aliadas ao consumismo, modelo societal em vigor desde os anos 80, promovem o consumo rápido de informação, sem grandes raciocínios. O nosso estilo de vida, decorrente do modelo vigente, não permite a pausa necessária para pensarmos, devidamente, nos problemas que temos à nossa frente. Assim, um comentário com duas “frases”, todo escrito em maiúsculas, que resolve rapidamente uma questão extremamente complexa é-nos bastante reconfortante. Também por isso os extremos “engolem” tanta gente. Esse sentimento de conforto, numa sociedade cada vez mais consumista, que vive no imediato e que apenas toca nos assuntos superficialmente, faz-nos sentir optimamente.

Apesar disso, não podemos cair nesta armadilha. Temos de mudar, urgentemente, a forma como vivemos e abordamos as grandes questões do nosso tempo. Temos de parar para pensar, adequadamente, nos assuntos que debatemos. Temos, sobretudo, cada vez mais, procurar dissociar a página de iniciar sessão numa rede social da entrada no Inferno de Dante. Peço-vos que não percam a esperança na humanidade porque eu não a perderei.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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