Adie-se o funeral
O PSD elegeu, em eleições diretas no passado dia 28 de Maio, Luís Montenegro como novo líder. As eleições não aconteceram espontaneamente, num vazio, sem aviso prévio: devo destacar que houve campanha para elas, já que provavelmente serão poucos os portugueses que saibam disso.
O contexto destas eleições importa: o PSD vem de uma série bastante longa de derrotas eleitorais, que contrasta com a história do partido, e procurava a sucessão a uma desapontante liderança de Rui Rio. Não falamos aqui de um partido que tenta procurar uma solução de continuidade e a quem o debate de ideias não faz falta. O PSD é, hoje, um partido que precisa urgentemente de se revitalizar, de mobilizar os seus quadros e apoiantes e de definir onde se encontra no espectro político e para onde se dirige.
Nesta conjuntura, estas eleições diretas revestiam-se de particular importância para o partido. Não só pela liderança que viessem a trazer, mas especialmente porque esta campanha representava uma oportunidade única de realizar um debate transparente acerca do que o PSD quer ser e da proposta alternativa de governo que pode oferecer ao país. Debate esse que fizesse uso da natural visibilidade que podia ter na praça pública – trata-se afinal da eleição do líder de um dos dois maiores partidos do país – para relançar o PSD aos olhos do eleitorado. Por isso, comecei o texto por referir que serão poucos os que souberam da campanha. Incomoda-me que nada disto tenha acontecido: a campanha mal se fez notar, o debate de ideias foi totalmente nulo e a oportunidade foi desperdiçada.
Um partido moribundo precisava desta visibilidade mais do que nunca, mas nem assim houve um esforço dos seus quadros para a obter. Ao invés, os candidatos dedicaram-se à comunicação para dentro do partido e aos jogos estratégicos tão típicos da maquinaria partidária, focando-se em conquistar apenas os militantes, já que eram esses que os iriam eleger. No entanto, parece-me óbvio que se tratou de uma tática míope. O mundo não acabou no dia 28 de Maio e Montenegro terá agora de liderar um partido que deitou fora uma boa chance de se impor – talvez a única que terá em algum tempo.
Contudo, o novo líder não se poderá queixar da estratégia, já que é a personificação desta miopia. Foi, ao que sabemos, o maior responsável por não ter havido debates públicos durante a campanha. Algo tão elementar como a exposição e escrutínio dos programas dos dois candidatos seria uma das melhores formas de o partido tirar proveito do momento em que se encontrava. Não aconteceu. Em vez disso, tivemos uma breve e muito morna discussão acerca de que candidato iria impor mais “linhas vermelhas” ao Chega e a tradicional discussão de que já nos cansamos, de quem é, afinal, o candidato mais parecido a Sá Carneiro, a Cavaco Silva ou a Passos Coelho. Questões fúteis e olho no passado, mas analisemos os dois temas.
![Fotografia de Luís Montenegro](https://www.ideal-social.com/user/images/220603-luis-montenegro.jpg)
Luís Montenegro, foi eleito presidente do PSD
Fontes: Partido Social Democrata, CC BY-NC-SA 2.0
Sobre o primeiro, elegeu-se o candidato que prefere erguer muros ao centro em vez de à extrema-direita. Mesmo ignorando as questões ideológicas e até morais, destaque-se que é a estratégia errada. Não só o Chega já se mostrou um parceiro muito pouco fiável nos Açores – e a instabilidade é sempre castigada pelo eleitorado – como a possibilidade de integrar um governo servirá apenas para mobilizar os eleitores desse partido. Um líder que dissesse categoricamente que um governo de direita passaria apenas por PSD, CDS e IL, obrigaria aqueles que efetivamente querem ver eleito um governo nesses moldes a votar num destes três partidos.
Acerca do segundo tema, nenhum dos candidatos se assemelha a qualquer dos três históricos sociais-democratas que referi, por uma simples razão: esses três ganharam eleições. Muito provavelmente, nenhum destes dois ganhará. Fosse pela falta de visão estratégica ou de ideias frescas de Montenegro, fosse pela falta de carisma de Moreira da Silva (que se afigurava uma cópia de Moedas enquanto o partido espera pelo original), o PSD encontrava-se entre a espada e a parede, no que diz respeito à obtenção de vitórias eleitorais. Optou por se lançar na direção da espada.
O PSD está hoje numa das posições mais frágeis da sua história e haverá quem diga que esta eleição selou o seu destino, que o partido morrerá. Faço uso desta conclusão para rogar que se adie o seu funeral e pedir ao leitor alguma paciência. Provavelmente não será com Montenegro, mas o PSD poderá voltar a ser ainda uma peça fundamental do xadrez político português. Deixar que o PSD desaparecesse e que o centro ficasse entregue a um só partido seria fatal à democracia portuguesa. Deixar a direita entregue aos radicais da IL e do Chega também. Concordemos ou não com as suas ideias, votemos ou não nele, todos beneficiamos de um PSD forte e que ofereça uma alternativa de governo. Só temos de esperar que o próprio PSD perceba isso também.