Apoiar ditaduras? Olhe que não, olhe que não…
Naquele que ainda é o maior debate da política portuguesa, seja em tempo, seja em qualidade retórica e ideológica, Mário Soares e Álvaro Cunhal estiveram frente a frente, durante 3 horas e 40 minutos, a debater o rumo que cada partido queria dar ao país. Ocorrido a 6 de novembro de 1975, poucas semanas antes do famoso 25 de novembro, bastaram 30 minutos de debate para Mário Soares afirmar “O Partido Comunista deu provas que quer tornar este país numa ditadura.”. Álvaro Cunhal rematou com “Olhe que não, olhe que não”, com ar jocoso. A frase de Álvaro Cunhal ficou marcada na política portuguesa e ainda hoje é utilizada na comunicação política, seja em debates ou em análises. Mas será que o PCP verdadeiramente apoia regimes ditatoriais?
O PCP sempre teve o Partido Comunista da União Soviética (PCUS) como principal fonte de formação ideológica, inspiração para a organização societal e, sobretudo, financiamento. Com o passar dos anos, como muitos outros espalhados pelo planeta, o PCP tornou-se um um partido satélite da União Soviética (URSS) – uma submissão às linhas orientadoras do PCUS. Sem a aceitação desta estratégia do PCUS, o PCP, provavelmente, não teria sobrevivido tanto tempo, como foi o caso do Partido Comunista Italiano ou o Partido Comunista Francês (até à entrada de Jean-Luc Mélenchon). No entanto, este alinhamento com o PCUS e consequente apoio a regimes ditatoriais e iliberais (como o da própria URSS) não podem ser branqueados.
O período 1989-1991 foi de extrema dificuldade para o PCP. A queda do país que estaria a construir o ideal socialista foi um desastre para as teses comunistas. A principal inspiração ideológica tinha colapsado e, ainda que tenha, em comunicado, afirmado estar com a Perestroika e destacado vários problemas da URSS: "um poder excessivamente centralizado", "acentuação do carácter autoritário do Estado" e "uma economia excessivamente estatizada", as cicatrizes ficaram. Assim como ficou a Estalinização, a asfixia da democracia interna e o apoio a outros partidos comunistas pelo mundo, independentemente de serem democratas ou não.

Um cartoon político de 1939.
Fonte: Clifford K. Berryman, domínio público, via Wikimedia Commons
Questionados sobre o apoio a regimes totalitários, o PCP geralmente tem duas abordagens distintas mas muito curiosas:
A primeira é desviar-se do assunto com outras questões. Quando questionados sobre se a Coreia do Norte é uma democracia, respondem com “O que é uma democracia?”. Este tipo de resposta é insultuosa para qualquer democrata e para qualquer pessoa que tenha alguns conhecimentos de lógica, nomeadamente, que conheça a falácia do Espantalho.
A segunda abordagem, típica de todos os regimes de inspiração socialista, é mais uma herança do PCUS. Trata-se de acusar qualquer notícia de violações de direitos humanos de ser uma orquestração de imperialistas e capitalistas. Os respectivos jornalistas também não escapam, sendo acusados de tentarem minar o caminho do socialismo e o avançar da democracia avançada (o conceito marxista-leninista “ditadura do proletariado”, mas com um florear menos agressivo; uma campanha de Marketing do PCP que não resultou).
Ainda no passado mês, o PCP qualificou na revista “Avante” a denúncia de vários actos de opressão policial e política do regime bielorruso como "ingerência estrangeira que tenta mudar o rumo da política conduzida pelo presidente Aleksandr Lukashenko e a sua orientação social, que tem o apoio do Partido Comunista Bielorruso".
O apoio ao regime não é novo. Há um ano escreveu “A UE e as suas instituições (...) devem abster-se de promover a operação de ingerência e desestabilização contra a Bielorrússia (...), respeitando o direito do povo bielorrusso a decidir do seu presente e futuro livre de quaisquer ingerências externas, incluindo de ameaças, chantagens ou operações de ingerência e de desestabilização – como aquelas a que o PE dá cobertura.” Isto quando sabemos que as fronteiras da Bielorrúsia com a Polónia estão repletas de migrantes a tentar sair do país, num ataque híbrido, como foi qualificado pelo presidente do conselho europeu Charles Michel.
Respondendo à questão inicialmente colocada: sim, o PCP apoia regimes iliberais, ditatoriais, opressores, expropriadores, usurpadores e asfixiantes e, esse apoio é, para além de surreal, uma das principais razões para o desaparecimento progressivo do PCP na sociedade portuguesa. O típico viés político-ideológico, que não é mais que uma mera falácia de autoridade, ou seja, se X diz que é comunista eu vou defendê-lo, independentemente de tudo o resto, porque valores mais altos se levantam – o da democracia avançada – é mais uma herança do PCUS.
Em pleno século XXI, o PCP continua amarrado às linhas ideológicas do Partido Comunista da União Soviética. Estas amarras até poderiam não ser um problema: existem outros partidos portugueses cuja inspiração e orientação ideológica se baseia em partidos estrangeiros. O problema prende-se com o facto do PCUS estar extinto há 30 anos.
No fim do Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friederich Engels afirmam: “Os proletários nada têm a perder a não ser as suas amarras”. Recomendo ao PCP a leitura deste Manifesto.
O autor não segue o novo acordo ortográfico