Correr por fora


Uma grande parte dos portugueses (quiçá a maioria) acordou ontem com uma nova demissão no Governo – a décima, em apenas nove meses, de um Governo com maioria absoluta. Anteontem, ao final do dia, tinha-se consumado a demissão de Alexandra Reis, a secretária de Estado envolvida numa polémica de pequeno valor: 500 mil euros. Não era esperada a demissão de mais nenhum membro do Governo – ainda menos a de um tão impactante como Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas.

Pedro Nuno Santos, provavelmente o membro mais à esquerda do Governo, sai após nova polémica envolvendo a TAP. O caso em particular não o envolvia directamente, nem foi sequer o mais grave do seu ministério, o que me leva a inferir que a sua demissão terá sido por um acumular de tensões e uma relação já desgastada com o chefe de Governo, António Costa. A este bolo, deve adicionar-se algum calculismo político. Vejamos.

A relação de Pedro Nuno Santos e António Costa começou a deteriorar-se quando o primeiro se lançou na corrida para secretário-geral do PS, em 2018, obrigando o segundo a ripostar e a afirmar que ainda não tinha “metido” os papéis da reforma. Entre casos e choques pelo caminho, o grande embate ocorreu há pouco mais de cinco meses, quando Pedro Nuno Santos decidiu, alegadamente à revelia do Primeiro-Ministro, a localização do novo aeroporto de Lisboa. António Costa revogou o despacho e obrigou Pedro Nuno Santos a pedir desculpa, numa conferência de imprensa verdadeiramente humilhante e dolorosa de se ver. Na altura, escrevi que António Costa só manteve Pedro Nuno Santos no Governo porque sabia que este iria causar mais dano fora do que dentro – manter os amigos por perto e os inimigos ainda mais. Ao que parece, a velha máxima não é muito útil quando se trata de inimigos do mesmo partido.

Pedro Nuno Santos era, para além do ministro mais à esquerda do Governo, um dos poucos com uma visão séria para o país. Por muito que se possa discordar da mesma, era o único rosto do reformismo necessário, no seio de um Governo caracterizado pela inércia e manutenção do statu quo. Em particular, o Plano Ferroviário Nacional confirmou a vontade do ministro em aproximar Portugal dos restantes países europeus, pelo menos em matéria de transportes. O Governo fica bastante mais fraco e frágil com a saída do seu ministro mais irreverente.

Pedro Nuno Santos

Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas.

Fonte: CP – Comboios de Portugal, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

É, no entanto, bastante dúbio que esta demissão seja a morte política de Pedro Nuno Santos. Primeiro, porque, em política, ninguém está irremediavelmente morto (talvez José Sócrates seja a excepção que confirma a afirmação). Segundo, porque este tipo de casos são relativamente passageiros. Isto é, dentro de um ano, é provável que ainda associemos a TAP e algumas das suas polémicas a Pedro Nuno Santos, mas ninguém se irá lembrar dos casos particulares que levaram à sua demissão. Terceiro, Pedro Nuno Santos possui imenso apoio na ala esquerda do PS e até de alguns membros influentes da sociedade civil. Quarto, e talvez mais importante, Pedro Nuno Santos não tem um perfil derrotista e irá, claramente, marcar passo fora do Governo.

Como disse anteriormente, Pedro Nuno Santos fora do Governo irá causar mais dano do que no seio da sua orgânica – estará muito menos manietado pelas políticas da linha “Costista” e pode consolidar-se como a voz cimeira da oposição interna. Portanto, a demissão de Pedro Nuno Santos não será um último prego no seu caixão. Antes, dá-lhe a liberdade que não tinha até então. O período que se segue, após um momento de maior recato, será de conflitos internos e de contagem de espingardas, onde Pedro Nuno Santos, muito provavelmente, ocupará o lugar de maior figura da oposição a António Costa.

António Costa irá aproveitar a oportunidade para cimentar no Governo um sucessor que lhe seja mais aprazível, como Fernando Medina, Ana Catarina Mendes ou até Mariana Vieira da Silva. O Governo, cada vez mais encostado às cordas, irá manter o piloto automático para lado nenhum, pelo menos até 2024, ano das próximas eleições para o Conselho Europeu. Caso António Costa decida replicar Durão Barroso, Pedro Nuno Santos já terá feito grande parte da corrida para Secretário-Geral por fora – algo que não é, per se, negativo. Terá menos empecilhos no caminho.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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