Costa e Rio não são Dupond e Dupont


Cada vez perco menos tempo nas redes sociais. Ainda assim, depois do debate entre Costa e Rio, 15 minutos numa caixa de comentários chegou para ver que a maioria das “análises” feitas era de uma ou duas frases, incompletas, com um vernáculo não próprio e que diziam, sobretudo, que Rio e Costa eram iguais. A discórdia sobre quem ganhou o debate, quem mobilizou mais ou menos eleitorado, quem esteve mais ou menos bem é saudável e ainda bem que existe. Dizer que Costa e Rio são iguais, como Dupond e Dupont, é absolutamente falso e perigoso.

Dupond e Dupont

Dupond e Dupont. Dois detectives da saga "Tintin" que se distinguem apenas pelo seu bigode. Fonte:Wikicommons, by California Pete, CC BY-NC-SA 2.0

Quem acha que Rio e Costa são Dupond e Dupont ou não esteve muito atento ao debate ou, provavelmente, está num extremo do espectro político e, por isso, todos os políticos moderados lhe parecem iguais. Rio com o coração perto da boca, onde sempre o tem, jogou ao ataque, com uma mensagem agressiva, como aliás tem de ser para quem está atrás em todas as sondagens. Mas até nisso há diferenças face a António Costa, muito mais calculista, habilidoso e com mais qualidade oratória.

No debate, ficou clara a diferença entre PS e PSD sobre várias temáticas. Rui Rio, mais uma vez, mostrou domínio na visão macroeconómica e explanou um programa fiscal coerente com as restantes políticas económicas. Apesar disso, passou uma mensagem um tanto tecnocrata, fixando-se muito em números e percentagens (que, infelizmente, pouco ou nada dizem aos portugueses).

Outrora, escrevi que António Costa deveria reler Keynes. Neste debate, ficou claro que provavelmente nunca o leu. Já que António Costa não respondeu a Rio, quando este afirmou que a retoma económica do país se deve fazer pelo lado da oferta, respondo eu: Ao contrário do que foi afirmado, a retoma da economia deve ser feita não só pelo lado da oferta mas sobretudo pelo lado da procura, como afirmava Keynes no seu magnum opus “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Aumentar o rendimento disponível das classes mais baixas e da classe média estimula a procura e o consumo, o que por sua vez gera um momento positivo na economia, levando a um maior crescimento económico. Procurar responder apenas pelo lado da oferta, ignorando o consumo, é apostar na velha lei de Say (que muito resumidamente diz que a oferta gera a sua própria procura). Talvez Rio não tenha lido recentemente Keynes, tal como Costa, principalmente a parte onde ele desmonta esta lei.

Quanto à saúde, Costa fez um habilidoso teatro quando acusou Rio de não querer saber dos profissionais de saúde, apesar da proposta deste ser uma mudança no sistema, não referindo, sequer, os profissionais. A falácia do espantalho passou, com uma fraquíssima defesa de Rio, permitindo que o outro lado da barricada ganhasse pontos. Além disso, a alteração que Rio propôs fazer na constituição foi uma autêntica auto-estrada para as investidas de Costa. Se Costa levou a maioria dos pontos na questão da saúde, levou todos na questão da justiça. Mostrou um domínio superior do tema (não fosse ele jurista e ex-ministro da justiça) e acusou Rio de instrumentalizar a justiça e de a querer politizar. Rio negou as acusações mas nunca se conseguiu demarcar delas.

No último assunto da noite, a TAP, Rio forneceu um exemplo claro do que uma chamada companhia de bandeira não deve fazer: oferecer um bilhete mais barato para uma viagem com origem em Madrid do que com origem em Lisboa. Costa parece ter abandonado o preconceito ideológico face a uma companhia de bandeira quando afirma que o interesse na TAP por parte de outras companhias de aviação é algo desejável. Apesar disso, não contra-atacou o discurso exaltado de Rio, deixando-o ficar com os pontos num assunto que tanto divide os portugueses.

Geralmente, num debate, quem joga para empatar, perde. Porém, isso não aconteceu neste. Costa jogou à defesa, desviando-se dos ataques de Rio com mais ou menos demagogia e acaba por sair ligeiramente por cima. Conseguiu segurar mais eleitorado e mobilizou algum de esquerda – aquele que está mais desiludido com o Bloco e o PCP. Ainda assim, essa ligeira vantagem é tão ténue que a vitória de Costa lhe deve ter sabido a pouco.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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