O debate do debate é mais importante


Chegados a Janeiro de 2022, com eleições legislativas à porta, os debates marcam a agenda política do dia. Se o planeamento dos mesmos começou por errar ao excluir o LIVRE da sua participação, os meios de comunicação rapidamente o corrigiram. Contudo, até agora, os debates apenas espelharam a qualidade da política feita em Portugal e o consequente interesse dos cidadãos nela. Passarei a explicar o porquê, na minha opinião, recorrendo aos dois principais culpados da falta de qualidade destes debates: a comunicação social e os intervenientes políticos.

1. Comunicação social

Para este modelo de debates, frente-a-frente, a comunicação social definiu o absurdo tempo de 25 minutos. Ora, se as direcções dos canais televisivos crêem que este é um tempo suficiente para um debate de apresentação e explicação de propostas para o futuro do nosso país, fica tudo dito sobre o estado da nossa comunicação social.

As questões que a maioria dos jornalistas coloca na primeira parte do debate são disparatadas. Apesar de uma duração tão curta, desperdiçam metade do debate com questões que são já passado, morto e enterrado, como o modelo da Geringonça de 2015 e o modelo de governação de 2019, ou ainda com cenários das possíveis coligações que podem surgir no pós-eleições.

Após esta discussão intensa sobre nada, ficamos com a segunda parte para propostas e medidas de cada candidato. No entanto, sobram apenas seis minutos para cada interveniente, ou seja, nada. Este é um tempo ridiculamente diminuto para discutir propostas que permitam o país crescer, produzir mais riqueza, distribuí-la ou até gerir melhor os seus recursos. Ao ver estes debates revejo-me no título de uma canção dos BAN “Entre o nada e o nada”.

Se o tempo escasso é uma das principais razões para a qualidade dos debates ser fraquíssima, a logística e organização dos mesmos é impensável. Todos os dias ocorrem pelo menos dois debates, sendo que na maioria dos dias podemos assistir a três. Qualquer pessoa que queira ver a maioria terá de ter uma ginástica logística enorme, dado que existem debates ao fim da tarde, início da noite e fim da noite. Deve-se sobretudo às direcções dos meios de comunicação e à sua intransigência acerca de organizar debates durante a semana entre o Natal e o Ano Novo, infantilizando os Portugueses, achando que estes não iriam estar atentos a política em época festiva. Caso tivessem transmitido quatro debates entre o Natal e o Ano Novo (26 a 30 de Dezembro), reduziriam os dias com três debates para metade. Ademais, ficariam com mais tempo de debate para os restantes, deixando os ridículos 25 minutos para trás.

Mas, se o tempo é escasso, os políticos também não o aproveitam.

Cartoon Político sobre debates

Cartoon político sobre a sociedade de debates do séc. XVIII.

Fonte: WikiCommons

2. Intervenientes políticos

Alguns, mais tecnocratas, utilizam uma linguagem que não é acessível para a maioria das pessoas, recorrendo a vários termos sem os explicar minimamente. Parecem também estar alheados da realidade do cidadão comum, o que resulta num afastamento destes de assuntos políticos. Os mais de 40 anos de ditadura que se viveram em Portugal, que obrigaram a separação das pessoas e da política, estão também ainda muito vincados no seio da nossa sociedade e a classe política parece não o querer evitar. Ou, se o quer, não está a ser capaz de o fazer.

A disponibilização de programas eleitorais com menos de um mês de antecedência é um desrespeito pelos cidadãos que votam, para além de ser inaceitável que alguns partidos iniciem os debates sem o programa político apresentado, como foi o caso do PSD e da IL. É também desrespeitoso para com os seus adversários no debate.

Além disso, apresentar apenas um programa com centenas de páginas não resulta. A maioria dos eleitores têm uma vida complicada, gerindo as longas horas laborais com a vida familiar e pessoal, e o pouco tempo que pode disponibilizar à política tem de ser bem aproveitado. Os partidos devem (como alguns já o fazem) disponibilizar um pequeno resumo dos principais pontos contidos no programa. É uma boa solução para os que possuem um tempo limitado e que querem estar minimamente informados sobre os partidos candidatos. Já o partido da extrema-direita não opta por nenhuma destas soluções, apresentando um programa com apenas nove páginas e tantas lacunas que não tenho tempo de estar aqui a descrever todas (Rui Tavares desmontou as falhas crassas no programa do CHEGA no debate entre o CHEGA e o LIVRE).

Ainda assim, isto não é suficiente. O sentimento de que os programas políticos não se reflectem na vida real das pessoas é verdadeiro. Os intervenientes têm aqui um caminho (espinhoso) a percorrer – mostrar que podem resolver os problemas concretos das pessoas, seja a um nível local ou a um nível nacional, através das medidas disponibilizadas no programa. Tal só é possível com uma linguagem acessível e maior transparência e fiscalização. Todavia, também não será no espaço de tempo de 25 minutos que vão conseguir explicar problemas tão complexos.

O clima de tribalização que se sente durante os debates, principalmente naqueles com candidatos extremistas, nada traz de bom para a sociedade nem para o meio político. Algumas técnicas foram até replicadas dos debates futebolísticos (aliás, um candidato foi comentador nesses mesmos programas). Para além de serem debates repletos de falácias e de ataques, apenas contribuem para o crescente desinteresse da população. São também um antro de demagogia e populismo barato que, infelizmente, são abraçados pela cada vez maior população alienada do regime democrático.

Por fim, a cereja no topo do bolo é o debate do debate. Este deve ser mais importante aos olhos da comunicação social, visto durar praticamente o dobro do debate original. Os debates são limitados a 25 minutos, mas os comentários e análise nos vários canais duram quase uma hora. Contra mim falo, uma vez que também estou aqui a fazer uma análise aos debates. Ainda assim, preferia muito mais que a situação se invertesse e o debate do debate passasse para segundo plano.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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