Gouveia e Melo vai criar o PRD2?


Na semana passada fiquei surpreendido com a entrevista que Gouveia e Melo, o novo Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), deu ao Expresso. Nesta entrevista, apenas faltou a Gouveia e Melo divulgar a data de apresentação da sua candidatura à Presidência da República.

Gouveia e Melo foi promovido e tornou-se a patente mais alta da Armada, apenas três meses após a tentativa da exoneração do então CEMA, nas costas do Presidente da República. Marcelo, por fim, confirma a substituição de Mendes Calado pelo ex-vice-almirante, por iniciativa de um governo que já não está em funções. Todo o processo foi feito à pressa e parece um empurrar do antigo CEMA para fora de cena. Aliás, Mendes Calado, o CEMA exonerado, afirma não sair por vontade própria. Parece também eleitoralismo por parte de António Costa e do seu governo, pois fica colado a uma figura tão prestigiada na sociedade portuguesa e que goza da simpatia dos portugueses. Em política, geralmente, o que parece é. Não estou com isto a colocar em causa a honestidade e integridade de Gouveia e Melo, nem a sua capacidade para as novas funções. Apenas questiono o momento e a rapidez com que ocorreu a mudança.

Gráfico de análise da captura de rendimentos por parte do 1% mais rico, em diferentes países

Chefe do Estado Maior da Armada, Gouveia e Melo.

Fonte: WikiCommons

Voltando à entrevista, o tom paternalista que Gouveia e Melo usou mostra que, talvez, o sucesso lhe tenha “subido à cabeça”. Ainda assim, os portugueses sentem sempre a necessidade premente de uma figura paternal, de alguém que venha salvar a nação. Talvez este sentimento seja ainda um resquício do estado-novo, que está entranhado no nosso ser, e tenha ajudado Gouveia e Melo a atingir o pináculo do apoio popular. A campanha que a comunicação social fez em torno da sua figura tem, também, a sua quota parte de culpa no cartório, dado a sua quase glorificação mediática durante todo o processo de vacinação. Este apoio incessante da comunicação social poderá ter sido um empurrão adicional na emancipação do ego de Gouveia e Melo, que mostrou uma faceta outrora desconhecida. Ademais, o tom é totalmente distinto de outras entrevistas que deu. Afirmou ter “fome de vencer” e ser “muito ambicioso por ter essa fome de vencer”. Poderia haver maior indício de querer voar mais alto, nomeadamente uma candidatura à Presidência da República?

Nunca entrei em devaneios quanto à capacidade intelectual e logística nem quanto à integridade de Gouveia e Melo, por muito que a comunicação social o tentasse colocar, subconscientemente, no meu cérebro. Tampouco afirmei, ao contrário de vários comentadores, que o processo de vacinação correu bem em Portugal devido a Gouveia e Melo ser militar. Essa ideia é totalmente errada e mostra ignorância por parte de quem comenta assuntos políticos e sociais. A glorificação de uma instituição, por extrapolação da competência de um só homem (neste caso Gouveia e Melo) é completamente estapafúrdia. Talvez esses comentadores não se tenham recordado do caso de tancos, por exemplo. Ou de um caso mais recente, o de tráfico de “diamantes” da República Centro-Africana. Em todas as instituições há pessoas competentes e pessoas pouco competentes, pessoas mais capazes e pessoas menos capazes. Os militares trouxeram o 25 de Abril. mas também o 28 de Maio de 1926 e a ditadura militar. A prestação de Gouveia e Melo, enquanto coordenador da Task-Force da vacinação, pouco ou nada diz sobre as forças armadas portuguesas. Os comentadores parecem, por vezes, esquecer coisas básicas sobre a política e a vida em geral, nomeadamente o facto de não ser prudente tomar o todo pela parte.

Por fim, Gouveia e Melo admitiu criar um movimento onde poderia colocar em prática “a sua cidadania”. Comenta ainda que tem uma ambição grande e que é contra a redistribuição da riqueza inexistente do país, ou seja, de riqueza que não produzimos. No entanto, nada diz sobre como poderíamos criar essa mesma riqueza, nem formas de melhor a redistribuir, se é que o devemos fazer. Se Gouveia e Melo pretende mesmo encetar uma candidatura à Presidência da República deveria mostrar algum do seu pensamento político à nação, para além de se definir “do Centro Pragmático”. Nunca vi tal designação, nos livros de ciência política que li e confesso não saber do que se trata. Creio que o centro pragmático não existe. Parece ser apenas uma designação feita para agradar a todos, num populismo dissimulado. Mas terá Gouveia e Melo algum pensamento estruturado sobre a economia do país, os serviços sociais, o meio empresarial, o sector da inovação e da tecnologia? Se sim, oculta-os muito bem.

Nos anos 80, um antigo militar criou um movimento (que originou um partido - o PRD), de uma ideologia também ela centrista e em torno de uma só pessoa, Ramalho Eanes. Este, moldado pelo então Presidente da República, foi uma hecatombe no sistema político português do início dos anos 80. No entanto, poucos anos depois tornou-se insignificante e findou, após apresentar uma moção de censura ao primeiro governo de Cavaco Silva. Gouveia e Melo com certeza se lembrará do sucedido. Movimentos unipessoais tendem a colapsar rapidamente ou a expôr um frágil pensamento político sobre as mais diversas áreas.

Gouveia e Melo ainda não deu uma única ideia para o país. Praticamente nada (ou mesmo nada) se conhece sobre o seu pensamento político, económico e social. As suas capacidades enquanto actor político são desconhecidas. Ainda assim, estou em condições de afirmar que esta entrevista marca o início da sua campanha de angariação de apoios e o movimento que irá criar será a circunstância que inicia as próximas presidenciais. O nome para tal movimento poderia ficar já definido. Se Gouveia e Melo continuar a prosseguir este caminho, PRD2 parece-me mais do que apropriado.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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