João Miguel Tavares tem razão


Graças a uma notícia do Expresso, nos últimos dias só se tem falado da provável ultrapassagem de Portugal pela Roménia em PIB per capita ajustado ao poder de compra. Os alarmes soaram em Portugal e estou surpreendido por não ter sido declarado estado de calamidade, dada a importância do tema para o panorama nacional. Felizmente, este assunto captou a atenção dos maiores cronistas nacionais, dos quais se destaca a estupenda e incrivelmente bem argumentada recensão de João Miguel Tavares.

João Miguel Tavares tem toda a razão no seu argumento principal: não interessa o estado de desenvolvimento de cada sociedade, desde que num mero indicador económico estejamos melhor. Na realidade, pouco importa até se esse indicador é mau ou inútil como termo de comparação. No caso concreto, o PIB per capita ajustado ao poder de compra, possui bastantes debilidades, como a inclusão de produções fictícias e a ocultação de assimetrias. No entanto, isso é secundário: o que interessa é que um país de leste, até há pouco subjugado pela tirania, nos ultrapassou e que, por isso, devemos todos auto-flagelar-nos por esta tragédia.

Pouco interessa para o caso, como diz brilhantemente João Miguel Tavares, que a taxa de mortalidade infantil em Portugal seja inferior à da Roménia. É surreal tentar avaliar o estado de desenvolvimento de um determinado país por este critério. Como se fosse sequer possível inferir a qualidade do serviço de saúde, a orçamentação e abragência do mesmo ou como são os cuidados de higiene básica com um indicador tão abstrato como “taxa de mortalidade infantil”. Corro o risco de afirmar que ninguém consegue descrever este conceito, tal o seu nível de abstração. O que interessa mesmo é que o PIB per capita ajustado ao poder de compra é maior na Roménia.

Também pouco importa que a esperança média de vida (com qualidade) seja pior na Roménia, como diz João Miguel Tavares. De facto, nenhuma ilação quanto à segurança e condições de trabalho, qualidade do serviço de saúde ou privação alimentar pode ser extraída deste indicador. Nem a esperança média de vida é interessante: é um indicador bastante enganador porque, tal como indica o nome, socorre-se de uma média e omite disparidades entre pobres e ricos. O que podemos dizer é que o PIB per capita ajustado ao poder de compra é maior, o que resulta numa população mais rica (em média).

Paulo Raimundo

Os romenos saíram às ruas para festejar terem ultrapassado Portugal em PIB per capita ajustado ao poder de compra.

Fonte: Partido Social Democrata da Roménia, CC0, via Wikimedia Commons

Nada importa que a distribuição do rendimento e que o índice de Gini, que mede a desigualdade, sejam piores na Roménia do que em Portugal. Nem interessa que a rede de apoios que exista seja claramente pior do que a portuguesa. O que importa realmente é que pagam menos impostos no fim do mês. A desigualdade é conjuntural e irá diminuir conforme aumenta a riqueza média do país. Foi assim que o trickle-down economics funcionou em inúmeros outros países. João Miguel Tavares só não citou todos por manifesta falta de espaço na última página do Público.

João Miguel Tavares tem toda a razão. A sua óptima análise dá-nos um suporte ideológico para dizer que pouco interessa que Portugal esteja “melhor” em vários outros indicadores. O crucial para o nosso desenvolvimento humano é o PIB per capita ajustado ao poder de compra. Infelizmente, esse indicador nada abstrato será pior que o da Roménia em 2024. Estamos a preterir o indicador mais fundamental da sociedade pós-moderna em detrimento de coisas supérfluas e perfeitamente inócuas como as condições de vida da população. Enquanto assim for, não iremos sair da cepa-torta. Em suma, olhemos mais para o PIB per capita ajustado ao poder de compra e menos para tudo o resto (em particular, não olhemos para o Índice de Desenvolvimento Humano, no qual Portugal figura 15 lugares à frente da Roménia).

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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