Lembrem-se: são escolhas


As inevitabilidades da vida são quase inexistentes. Quiçá, apenas a morte se enquadra nesta categoria. O restante depende das escolhas que fazemos ao longo do nosso percurso. Correctas ou não, baseadas em factos ou infundadas, feitas no melhor momento ou fora de tempo, não deixam de ser escolhas. Fazem parte da vida, mesmo que por vezes sejam tomadas de forma inconsciente. É, por isso, um tanto estranho que nos apresentem programas ou medidas descritas como o “único caminho disponível a seguir”. Não sendo (quase) nada inevitável, porque é que estes o seriam? Foi assim que o governo português nos tentou vender o Orçamento do Estado (OE) para 2023, como se fosse a única rota disponível. Será que devemos adicionar o OE 2023 às inevitabilidades da vida?

Importa referir, à partida, que esta visão não é nova – tem suporte na mítica frase de Margaret Thatcher “There is no alternative” (TINA), baseada em prepotência e arrogância intelectual. Ainda que confiança e assertividade sejam essenciais para o método de decisão política, achar que estamos perante um só caminho é manifestamente errado. Este é escolhido com base numa visão (ou não) e construído por prioridades e preferências. Assim, todo e qualquer plano é feito de opções escolhidas e preteridas, ainda que nos digam o contrário.

Vejamos: o governo podia ter apoiado os pensionistas, de longe os portugueses com os rendimentos mais fixos, subindo as suas pensões, pelo menos, de acordo com a inflação. Ao invés disso, opta por evitar um aumento da despesa fixa do governo, e apresenta medidas que lhes retiram poder de compra. Ao diminuir o aumento percentual previsto para 2023, reduz a base que serve de referência para o aumento de 2024, ou seja, a partir dessa data, as pensões não perdem só valor real, mas também valor nominal. Queira ou não admitir, foi uma escolha que fez. Uma escolha miserável, diga-se: diminuir a despesa do OE à custa dos cidadãos mais desprotegidos da sociedade é pura e simplesmente abjecto.

Mas esta não foi a sua única escolha. Com um objectivo em mente – reduzir o défice público e a dívida – opta por não implementar um verdadeiro plano de manutenção dos rendimentos. Permite, portanto, a perda real dos salários. Urge referir que, por muito que o proclamem, o facto de o acordo ter sido assinado na “concertação social” (que representa uma ínfima parte da população) não lhe dá validade. A perda de poder de compra privará os portugueses do consumo de bens essenciais e prejudicará a economia. As escolhas que terão de fazer no supermercado serão, com certeza, mais difíceis do que as do governo.

Fernando Medina, ministro das finanças, entrega o Orçamento de Estado para 2023 ao Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva

Fernando Medina, ministro das finanças, entrega o Orçamento do Estado para 2023 ao Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva

Fonte: Agência Lusa, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

Com apenas dois simples exemplos, confirmamos que o governo preteriu opções em detrimento de outras. É, por isso, manifestamente errado referirem a estas decisões como “o único caminho disponível”. Nunca o foi, não o é, nem nunca o será.

A questão que agora se coloca é: porque é que tomou estas decisões? Porque optou por manter o saldo orçamental controlado ao invés de apoiar a população necessitada?

Alegadamente, o menor aumento dos salários, permitiria alguma folga às empresas para que investissem. Ou seja, o governo declaradamente planeava transitar de uma economia baseada na procura (consumo) para uma economia baseada no investimento e na oferta. Ainda que discorde desta opção, teria sido muito mais transparente admiti-lo, ao invés de se esconder por detrás de uma argumentação que não passa na mais rudimentar análise.

Como disse, apesar de discordar diametralmente do caminho que o governo pretende seguir, não será essa a minha principal crítica – esta passará não por uma análise às contradições e incapacidades de uma economia baseada na oferta mas sim pelo timing escolhido. O governo não poderia ter escolhido pior altura para fazer esta transição, essencialmente por duas razões. A primeira é que, num momento de tanta incerteza como o que vivemos (inflação, guerra, depreciação do euro), é bastante dúbio que as empresas sintam que é o momento certo para investir. Melhor dito: não o vão fazer. Talvez Fernando Medina nunca tenha lido Keynes e as suas passagens sobre o animal spirit. Faço-lhe um resumo simples: diminuição do consumo e do investimento em simultâneo atirará a economia para o charco. A segunda razão prende-se com o facto de o governo não ser autoridade para falar de investimento. Ainda que aumente o valor disponível para investimento público, não é, de todo, previsível que o gaste na totalidade, dado o nível de cativações que impera na política orçamental portuguesa.

O governo optou por um plano e fez as suas escolhas. Com uma argumentação não muito diferente da que se ouvia nos tempos de austeridade – manter o défice controlado –, prejudica a vida dos cidadãos que vivem de rendimentos de trabalho. No meio de tantas escolhas vendidas como “a única alternativa”, espero que os portugueses não se esqueçam das escolhas que podem e devem tomar doravante, particularmente nas próximas eleições.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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