Nuclear não, obrigado


Anda um espectro pela Europa: o espectro do Nuclear. Muitos poderes da velha Europa aliaram-se para uma santa caçada a tudo o que não seja nuclear. Solar, eólica, hidroelétrica, nada serve contra os poderes instaurados. Esta adaptação do Manifesto do Partido Comunista, lamentavelmente para nós, parece ser cada vez mais verdadeira. Se pensávamos que o nuclear estava a desaparecer, estávamos, claramente, errados. É caso para dizer que as notícias da morte do nuclear eram manifestamente exageradas.

É irrealista imaginar um futuro próximo sem o uso de combustíveis fósseis, nomeadamente petróleo e gás natural, devido à nossa sociedade ser (quase) totalmente dependente destas fontes. Isto não é o mesmo que dizer que podemos continuar assim. Os dados provenientes da ciência são claros: estudos mostram que a quantidade de CO2 na atmosfera aumentou 31% nos últimos 200 anos. Curiosamente, desde o início da revolução industrial. Fica evidente a correlação entre actividade industrial humana e alterações climáticas. Temos, portanto, de superar o nosso actual paradigma energético. Quanto a esta conclusão, nada de novo. Pelo contrário, tem mais anos de vida que eu. A novidade no debate prende-se com o facto de vários lóbis estarem a promover a energia nuclear como algo ambientalmente sustentável. E o problema é que estão a ser bem sucedidos. Na minha óptica, estamos a regredir em termos ambientais, não a estruturar o nosso futuro.

Já antes do acidente de Chernobyl a comunidade ecológica manifestava-se veementemente contra o nuclear, mas, só depois de verificarem o impacto da destruição causada, o sentimento se generalizou na população. No entanto, este maior repúdio face à energia nuclear não levou ao seu desaparecimento mas sim à sua estabilização, em termos de produção absoluta. Desde 1992 que o consumo absoluto do nuclear estabilizou – o que diminuiu foi a sua percentagem face ao total da energia consumida.

Ainda que existam vários reactores nucleares, mais ou menos recentes, e de maior ou menor dimensão, espalhados pelo mundo, praticamente 75% da energia nuclear mundial advêm somente de 3 nações: E.U.A., China e França. Nesta última, a energia nuclear é responsável por 70% da sua produção energética. Este quase oligopólio da produção nuclear poderia ter algo de positivo – uma pressão adicional de todos os outros países sobre estas nações seria capaz de reduzir significativamente a produção de energia nuclear. No entanto, tal não se avizinha, pelo menos no curto prazo. E.U.A. e França fazem parte do G7 (grupo com as 7 nações mais industrializadas e com economia mais desenvolvida) e a China não está muito longe deste grupo. Isto significa que o peso relativo destes países na comunidade internacional é bastante elevado, o que é um grande entrave para a redução do nuclear. A China, inclusive, já provou por diversas ocasiões não ceder a pressões nem tampouco se importar com a ecologia global.

Quanto à França, existe a possibilidade de uma mudança, ligeira, de rumo nos próximos anos. A entrada dos Verdes no governo alemão, promoverá uma maior pressão, a nível das instâncias europeias, para a desnuclearização da economia francesa e, consequentemente, de toda a economia europeia. A expressiva votação nos Verdes nos estados fronteiriços com a França mostra que essa população também está atenta a estes temas, ambientais e ecológicos, e poderá ser ser um factor importante para a sua desnuclearização.

O nuclear não é uma solução ecologicamente viável, tanto pelas questões das externalidades e de segurança, como pelos resíduos gerados. Além do mais, e ao contrário do que é variadíssimas vezes veiculado, não é economicamente competitiva com o solar e a eólica. A figura abaixo mostra a previsão dos custos ao longo dos próximos 30 anos para a energia solar, eólica e nuclear. Hoje, o custo do solar e da eólica é 60% inferior, por MW/h, ao nuclear e, ao longo dos próximos anos, a sua eficiência irá subir significativamente, diminuindo consideravelmente o seu custo por MW/h. Portanto, o argumento da sustentabilidade económica do nuclear é uma mera ilusão que não passa no teste dos números.

Um gráfico com o preço de produção de eletricidade por diversas fontes energéticas; os custos das energias solar e eólica são consideravelmente inferiores ao nuclear, com o custo da energia solar a baixar a um ritmo superior

Fig.1.1. Custo de Produção de 1 MW/h de electricidade em dólares.

Apesar do ressurgimento do nuclear nos nossos debates, que deu origem a este artigo, o panorama não é totalmente sombrio (como um acidente nuclear). Portugal e alguns outros países europeus, dos quais se prevê que a França não faça parte, vão assinar uma declaração conjunta onde confirmam que o nuclear não é uma energia sustentável e que não deve fazer parte da nossa transição energética. Não haveria posição mais sensata e coerente com a transição que necessitamos para o nosso planeta. Reformar sim, nuclear não.

A lenda do pop Português dos anos 80, Lena d’Água, no seu álbum de estreia “Perto de ti” lançou uma música homónima ao título deste artigo. 40 anos volvidos sobre o lançamento do single parece que ainda não avançamos e continuamos com as mesmas lutas. Deixo aos lobistas do nuclear esta música:

Nuclear não, obrigado

Antes ser activo hoje

Do que radioactivo amanhã

Nuclear não, obrigado

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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