O cúmulo da insensatez


No passado dia 7, aquando da apresentação do plano do Governo à Assembleia da República e após as habituais análises dos diferentes partidos, um comentário sobrepôs-se a todos os outros: o de Mónica Quintela, deputada do PSD. Esta, ao discutir a entrada da Troika em Portugal (culpa de todos os males do nosso pequeno país) e dirigindo-se à bancada do PS, disse: "Sabe qual foi o erro do PSD? Quando o ministro Teixeira dos Santos [ex-ministro das finanças de Sócrates] veio dizer que era necessário chamar o FMI, devíamos ter deixado que os funcionários públicos e toda a gente ficasse sem receber os salários. Um mês, dois meses e aprendiam! (...) Aprendia o povo e o PS.". Infelizmente, a citação não é uma descontextualização (podem consultar todo o debate na hiperligação acima).

Sem discutir o tom taberneiro e cavernícola da deputada que, lamentavelmente, não é único na Assembleia, o conteúdo proferido merece uma discussão alargada, pela quantidade de disparates, insensibilidade e desfasamento face à realidade. O que se infere da intervenção da deputada Mónica Quintela é óbvio: o PSD deveria ter chumbado o pedido de assistência financeira, feito pelo PS, de forma a que o país entrasse em bancarrota e que o ónus da culpa ficasse todo e somente no PS.

O que ganhava o país com isto? Nada. O que ganhavam as pessoas comuns com isto? Nada. O que ganhava o PSD com isto? Vantagem eleitoral. O que perdiam os funcionários públicos? 2 ou 3 salários. Coisa pouca. Sá Carneiro dizia que primeiro estava o país e só depois o partido. Provavelmente o único Sá Carneiro que o actual PSD conhece é o poeta Mário de Sá-Carneiro.

A imagem está dividida ao meio: à esquerda, fotografia de Mário de Sá-Carneiro; à direita, fotografia de Francisco Sá Carneiro

Mário de Sá-Carneiro e Francisco Sá Carneiro

Fonte: Mário de Sá-Carneiro, Domínio Público; Bottelho, CC BY-SA 2.0; via Wikimedia Commons

Todos temos intervenções menos felizes, momentos impróprios onde deveríamos ter pensado melhor antes de falar ou agir. Todavia, esperava-se muito mais de uma deputada com larga carreira política e profissional. Aliás, esta não é a primeira intervenção polémica da deputada. Aquando da detenção de João Rendeiro na África do Sul, acusou a justiça de ser politizada e do PS servir-se desta. Independentemente de tudo, são acusações gravíssimas. De todos os sectores que necessitam de reformas estruturais (termo que, infelizmente, parece ter má imprensa em Portugal), a justiça é um dos mais prementes mas daí a acusá-la de ser politizada e de beneficiar um partido com momentos oportunos, vai um salto lógico enorme.

A intervenção de Mónica Quintela não deveria ter implicações generalizadas para o PSD. Isto é, não deveríamos tomar o todo pela parte. Todavia, este é apenas mais um caso de falta de noção e de insensatez, cada vez mais comum na estratégia política do PSD, provavelmente exacerbada pelo aparecimento de partidos políticos à sua direita e a deslocalização do PS para o centro político.

Entalado entre um centro cada vez mais socializante e uma direita muito mais liberal ou troglodita, o PSD está entre a espada e a parede e parece estar prestes a cometer suicídio. Tenho (sinceramente) muita pena que um partido histórico como o PSD tenha chegado a este estado. A casa de muitos sociais-democratas e sociais-liberais está cada vez mais pequena e não deveriam ser os extremistas liberais ou radicais a usurpar toda uma área política moderada e sensata. Com 4 anos e meio de governação socialista (previsivelmente), teremos partidos radicais a tomar conta da oposição, com todos os malefícios daí decorrentes.

Normalmente, pessoas que pensam de forma similar juntam-se e formam um partido. No caso do PSD actual, pessoas que pensam de forma diferente juntaram-se e querem acabar com um partido, para pena de todos nós. Um poema de Sá-Carneiro (do único que conhecem) reflecte bem a estratégia que o PSD definiu. Denomina-se Fim:

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
 
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!...

“A um morto nada se recusa”. Se o PSD quer mesmo morrer, não nos devemos intrometer – pode ser que se juntem a Fernando Medina. Esperemos só que o burro não seja o povo português.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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