Pede-se calma


Ontem o Conselho Europeu aprovou o estatuto de país candidato à União Europeia (UE) à Ucrânia e à Moldova. Já se esperava que tal viesse a ocorrer, cimentando o alargamento da UE à Europa Oriental. Contudo, nesta mesma semana, uma polémica envolvendo o Primeiro-Ministro de Portugal irrompeu, após declarações consideradas irresponsáveis.

A entrevista que o Primeiro-Ministro António Costa deu ao Financial Times gerou muita controvérsia e, naturalmente, dado o nível de indignação dos habituais comentadores, fez correr muita tinta. António Costa referiu que o processo de adesão da Ucrânia à UE vai demorar muitos anos (o que é verdade), que a sua aceitação como membro-candidato à UE não resolverá, per se, todos os seus problemas (o que é verdade) e que, também, nos deveríamos focar em sanar os assuntos mais prementes da Ucrânia (o que é verdade). Se tudo o que António Costa diz é verdadeiro e sensato, a que se deve esta fúria desenfreada de comentadores e analistas?

Importa ressalvar que este assunto não é novo. O meu colega de blogue José Alves Amaro já tinha referido este assunto anteriormente, num outro artigo, onde, entre vários comentários, escreveu: "Ainda que queiram, por razões evidentes, um processo rápido de adesão, é de prever que essa entrada não se concretize tão cedo. A admissão à União Europeia dá-se com o cumprimento de requisitos complexos, os Critérios de Copenhaga, e é necessário tempo para uma verificação prudente de tal cumprimento.". Este tema era, há pouco mais de três meses, aparentemente consensual e tais comentários relativamente inócuos. Qual a razão para esta resposta desproporcional por parte dos opinion makers?

Creio que a resposta passa, essencialmente, por dois pontos: falta de literacia e aproveitamento político. O primeiro é simples de entender: existe, na nossa sociedade, um enorme deficit de pensamento crítico, particularmente agravado quando nos referimos a assuntos europeus. Se, até há 3 meses, poderia não haver noção do tempo que demoraria uma adesão à UE, ou que esta estivesse esquecida, tornou-se agora claro que pode (e deve) demorar anos. Para que um país pertença à UE é necessário uma partilha de valores e fundações, um grau de similaridade considerável quanto ao tipo de instituições económicas, políticas e sociais e um profundo sentimento de cooperação com os restantes países, que se irá traduzir, por exemplo, na integração no mercado comum ou no espaço Schengen. Estas mudanças, e consequente aproximação, não ocorrem da noite para o dia. Sempre foi um processo moroso para todos os candidatos e não demora menos do que alguns anos. Desde a aceitação da candidatura de Portugal até à sua entrada, na então CEE, passaram cerca de 9 anos. Como também se compreende, tal processo torna-se ainda mais complexo quando uma guerra irrompe no país candidato e provoca devastação, tragédia, miséria e alguns excessos, como a suspensão de cultura russa ou de partidos políticos. Não se afigura a entrada da Ucrânia na UE antes do fim desta década.

Mapa da Ucrânia com a bandeira da UE

Mapa da Ucrânia com a bandeira da União Europeia.

Fonte: via Wiki Commons, Verdy P

Aproveitando-se do facto desta falta de literacia, conhecimento ou noção da realidade, muitos comentadores e analistas deitaram “achas na fogueira” ao acusar António Costa de não querer a Ucrânia na UE. Chegaram ao ponto de afirmar que o PM não queria a adesão da Ucrânia porque isso iria desviar fundos europeus de Portugal para a Ucrânia. Tais comentários só podem ser considerados aproveitamentos bacocos, de baixo nível intelectual, populistas e, até certo ponto, abjectos. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, repetiu as palavras do primeiro-ministro e referiu: "O estatuto de candidato é outra manifestação política do nosso total apoio. A Ucrânia precisa dele. Mas para entrar na UE, precisa muito claramente de preencher todos os critérios.". A menos que também acusem a presidente da Comissão de não querer a Ucrânia na UE, por uma qualquer agenda de interesses em Portugal, os acusadores deveriam desculpar-se de um espernear infantil e insensato. No limite, rectificar a sua posição quanto a um assunto grave, pois falamos da vida de 44 milhões de pessoas. Não é, de todo, leviano.

É normal que diferentes países se adaptem às regras europeias a diferentes velocidades e que, por isso, consigam entrar mais rapidamente na UE. Por exemplo, a Turquia iniciou o seu pedido de adesão em 1987 e ainda se mantém como tal. Este caso é perfeitamente justificável, principalmente quando pensamos na completa falta de similaridade institucional entre a Turquia e os diversos países da UE. Aliás, desde o seu pedido de adesão e, sobretudo, desde a tomada de poder de Erdogän, a Turquia trilhou o caminho oposto: afastou-se de valores democráticos, enevoou uma separação entre os diversos poderes e fragilizou instituições independentes. A continuar por este caminho, a Turquia verá mais países, que partiram de condições sócio-económicas muito piores, a integrarem a UE. A Turquia inaugurou o Expresso do Oriente em 1883 mas perdeu o comboio da integração europeia. Não creio que a Ucrânia ou a Moldova fiquem nesta situação. Ainda que uma guerra esteja a desvastar a Ucrânia e exista uma região separatista pró-russa, de inspiração soviética, na Moldova (Transnístria), é inegável, com os dados actuais, o seu desejo expresso de pertencer à UE.

A vontade de mais países integrarem a UE deve ser um facto que nos alegra a todos – significa que existem mais pessoas interessadas em fazer desta nossa União. Contudo, devemos não encher todos de falsas esperanças sobre processos que são muito morosos. Pede-se calma e, sobretudo, paciência, para algo que irá demorar vários anos.

O autor não segue o novo acordo ortográfico


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